quarta-feira, 28 de agosto de 2019

EU E O PAI SOMOS UM. E O ESPÍRITO SANTO? NÃO É DEUS?



Alguns anos atrás me deparei com um livro em PDF intitulado Eu e o Pai somos Um, do autor Ricardo Nicotra. Alí ele apresentava vários argumentos contrários a doutrina da Trindade.

Estava num momento de revisão das minhas crenças e aceitei o desafio de ler o livro despido de qualquer preconceito. Se alí encontrasse a verdade, estava disposto a abraça-la, independente de qualquer coisa.

O livro foi escrito numa linguagem bastante compreensível, qualquer pessoa poderia entender. Mesmo assim, li e reli umas três vezes para  ficar mais claro em minha mente as ideias do autor, de modo a não lhe interpretar mal.

Mas as leituras só serviram para confirmar as contradições que alí estavam presentes.

Quero esclarecer que não possuo vínculo institucional com nenhuma Igreja Trinitariana, o que me deixa livre para pensar, sem sofrer nenhum tipo de represália. 

Durante a leitura  fiz algumas anotações que por fim viraram um livro com 232 páginas intitulado "A Doutrina da Trindade: resposta ao semiarianismo antitrinitariano", mas poderia ser "Resposta ao Livro Eu e o Pai somos Um."

Este livro pode ser adquirido em sua forma impressa da loja virtual do Clube dos Autores. 



Mas vou disponibilizar uma versão em PDF aqui para  ser baixado gratuitamente.



Que o Espírito que sopra onde quer, possa nos conduzir a  toda a verdade.

Abraço e boa leitura.
Antonio G.Sobreira

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Novas religiões e novas perspectivas




Novas religiões e novas perspectivas


Secularização e nova espiritualidade

Com o avanço da industrialização e da ciência no  último século, surgiram novas explicações não religiosas para o curso dos eventos. Embora as religiões se mantenham vivas, áreas cada vez maiores da  vida social e cultural têm saído de sua influência. E além  de os princípios religiosos terem perdido influência na vida social, também os conceitos éticos ensinados pelas  religiões  não  afetam  mais as questões sociais. Este processo é conhecido  como  secularização.
Tais fatos vêm tendo efeitos diversos sobre as pessoas. Alguns mantêm sua crença religiosa, mas traçam uma linha divisória entre a religião e a ciência. Outros rejeitam a religião e se tornam ateus ou agnósticos. Outros, ainda, incorporam a consciência científica a sua fé religiosa.
Será que somos menos religiosos hoje  do  que  éramos cinquenta anos atrás? Não é fácil responder. Na Europa,  durante  muito tempo a religião pareceu desempenhar um papel menos influente na vida das pessoas. Porém, na esteira da descristianização, apareceram novos movimentos religiosos.
Hoje as igrejas cristãs têm de lutar não só contra a descristianização, mas também contra uma série de diferentes tendências religiosas, entre elas algo que pode ser chamado de esoterismo.
Tornou-se comum falar de uma "nova espiritualidade". Por exemplo, na Dinamarca há mais líderes em tempo integral dentro dos vários movimentos religiosos novos do que padres na Igreja cristã dinamarquesa.
A expressão "nova espiritualidade" é muito abrangente. Ela compreende:
*             novas    campanhas        missionárias       de          religiões              antigas como    o hinduísmo e o budismo;
*             novas seitas cristãs;
*             novas seitas religiosas não cristãs,  que  adotam  ideias  de  uma ou de mais de uma das principais religiões do mundo;
*             antigas noções esotéricas, e
*             novo "conhecimento", que com freqüência é uma mistura de ciência moderna com antigos conceitos religiosos.
Além dessas denominações de constituição mais ou menos permanente, há uma grande quantidade de novos traços na abordagem que as pessoas têm da vida em geral, que nada têm a ver com a nova religiosidade.
Em meio a essa abundância de novas direções filosóficas, é útil distinguir entre:
*             novas tendências religiosas;
*             tendências esotéricas, e
*             movimentos alternativos.

Parte do contexto histórico desses novos movimentos foi a "revolução da juventude" da década de 1960. Naquela época foram lançadas as bases para novos grupos religiosos, bem como para um renovado interesse pelo esoterismo e pelos movimentos hoje conhecidos como alternativos.

Novos tendências religiosas
Sincretismo
Hare Krishna, Igreja da Unificação do reverendo Moon (os Moonies), Meninos de Deus: eis alguns exemplos de novos movimentos      religiosos            internacionais   que        cresceram duranteas últimas décadas.
Em termos históricos, o surgimento de novas  religiões  não  é um fenômeno desconhecido. As grandes religiões mundiais que estudamos aqui sofreram muitas divisões ao longo dos séculos. Em alguns casos, isso levou à fundação de religiões totalmente novas, ao passo que em outros se fundaram apenas novas comunidades, novas igrejas, seitas ou tendências religiosas que mantiveram o contato com suas raízes e tradições.
Uma característica típica das diversas orientações religiosas novas que vêm surgindo é o que se conhece como sincretismo: a seita  ou comunidade religiosa contém elementos de várias religiões diferentes. Também nisso não há nada de novo.
A época romana nos dá um bom exemplo de fusão religiosa. Através de todo o Império romano, idéias vindas da África, da Ásia e   da Europa se fundiram para criar uma série de novos movimentos religiosos. Geralmente eles adotavam conceitos de outras religiões, como a egípcia, a persa, a babilônica, a judaica, a grega e a romana.
Durante o século XIX, muitos líderes religiosos na Índia proclamaram que todas as grandes religiões do  mundo  são compatíveis entre si e que, no fundo, expressam a mesma coisa. Tais ideias devem igualmente ser chamadas de sincretistas.

Características comuns dos novos movimentos religiosos
Todas as religiões têm características comuns em termos de conceitos, culto e organização. As novas religiões também têm  inúmeras semelhanças com as grandes religiões mundiais.  Mas será que existem outros aspectos típicos dos novos movimentos, que os diferenciam como um grupo especial? Vejamos alguns elementos que aparecem em muitos dos novos movimentos religiosos.
*             Normalmente   foram   fundados            por         alguém com       forte

personalidade, que teve uma revelação da divindade e se sente chamado a liderar uma Igreja. Pode ser uma "figura messiânica" a quem as pessoas recorrem em épocas de crise espiritual, cultural ou política. Mas também pode ser, como em vários movimentos  inspirados pelo hinduísmo, um "guru" (mestre religioso) que exige a completa obediência e devoção de  seus discípulos. O  guru em  si  não é necessariamente divino, mas representa  o  divino  e,  portanto, pode receber oferendas de seus seguidores.
*             Os novos movimentos religiosos afirmam que são universais e aplicáveis a todos, e vêem a si mesmos como "a religião  das religiões". Costumam alegar que se trata de uma síntese de todas as grandes religiões do mundo — e transformam Moisés,  Jesus,  Maomé, Krishna e Buda em seus precursores. Com freqüência, a  ideia é que as velhas religiões já esgotaram seus papéis, pois cada uma, por si só, contém apenas uma fração da verdade.  A  nova religião é a revelação final, a resposta última, a verdade plena e completa. Em geral, as religiões anteriores não são de todo  repudiadas, mas vistas como uma tradição antiga e vital que tem sua resolução ou consumação na nova religião.
*             Dá-se realce à experiência interior, considerada mais  importante do que o dogma ou  as  formalidades  externas.  Usualmente há nesses movimentos um elemento de revolta contra o status quo religioso ou contra a liderança religiosa. Eles desafiam as normas correntes e as práticas religiosas estabelecidas, e em casos extremos chegam até a infringir a lei. A experiência interior, segundo eles, propicia uma libertação total, que promove a tranquilidade, a harmonia e a felicidade. O indivíduo pode encontrar a si mesmo. E justamente isso que a moderna sociedade precisa; é a solução para todos os problemas internos e externos. Alguns grupos ressaltam que não se trata de religião, mas de uma forma de conhecimento ou de compreensão total e repentina. É uma questão de alcançar a experiência interior correta.
*             Os membros do movimento costumam manifestar um fervor na fé e um zelo religioso tais que são levados a devotar todas as suas  energias à seita ou movimento. Essas conversões em geral  resultam na ruptura com a família. O indivíduo pode deixar sua casa — para viver numa pequena comuna, por exemplo —, assumir um  novo  nome ou abandonar seu emprego, seus estudos etc.
Convicção ou lavagem cerebral?
A intervalos regulares a mídia dá notícia  de  novos movimentos religiosos acusados de fazer lavagem cerebral nos novos adeptos, os quais são comumente recrutados entre jovens e adolescentes que estão em busca de sua identidade.
Uma característica importante dos novos grupos religiosos é a exigência de que o indivíduo se entregue a eles por inteiro — o que inclui um rompimento total com sua vida anterior. A pessoa "morre" em sua vida antiga e "renasce" dentro da nova seita. Não basta ser simpatizante. Com freqüência, o indivíduo deve doar a  elas  tudo  o que  possui.  Muitos já se viram destituídos de suas posses depois de  um encontro cora um desses novos movimentos religiosos.
A seita começa apresentando algumas questões  existenciais  bem conhecidas, em especial as que mais intrigam  as  pessoas  no  limiar da idade adulta, e costuma fazer um diagnóstico  certeiro.  Afirma que há muita coisa errada com a sociedade moderna, que não vivemos uma vida "autêntica" e "plena", que sentimos um vazio e não vemos sentido para a existência. Numerosos membros, dizem eles, estavam desestruturados pelo álcool ou pelas drogas quando foram recrutados. Mas há algo capaz de trazer uma renovação de tudo: a nova religião. Basta apenas aderir a ela e se comprometer. Se depois disso o novato tenta voltar para sua vida anterior, seus "padrinhos" na seita podem dificultar extremamente as coisas para ele.
Sobretudo nos Estados Unidos, há associações especiais para pais que tentam reaver seus filhos e filhas. Alguns pais chegaram a raptar os filhos de volta a fim de "desprogramá-los" — ou seja, fazer uma espécie de lavagem cerebral ao contrário — com a ajuda de ex-membros da seita. Essas atividades, naturalmente, levantam questões legais e éticas consideráveis; por outro lado, há diversas "vítimas" de novos grupos religiosos que ficaram gratas por terem sido trazidas de volta a seu antigo ambiente. Entretanto, essas "aterrissagens forçadas" são processos dolorosos e caros, que muitas vezes exigem os serviços    de um psiquiatra ou psicólogo.

Tendências esotéricas
Esoterismo é um termo quase tão abrangente quanto religião. Ele engloba a astrologia, o espiritismo, a ufologia, a parapsicologia, várias formas de magia e clarividência, a teosofia e a antroposofia.
Em décadas recentes, o interesse pelo esotérico cresceu enormemente em quase todo o mundo. Isso se  explica,  pelo  menos  em parte, pela secularização generalizada. Embora as tendências esotéricas nem sempre levem a criação de novos  organismos  religiosos, as idéias ocultistas de diferentes tipos têm tamanha importância para tantas pessoas, que formam uma grande parcela de sua filosofia de vida.
O esoterismo está longe de ser um fenômeno novo. Ele se estende, numa tradição contínua,  desde  a  Antiguidade,  passando pela Idade Média, até os dias de hoje.

Astrologia
A tradição esotérica mais significativa na história européia é sem dúvida a astrologia. Ela é também a mais difundida  das  tendências ocultistas de hoje.
As raízes da astrologia se encontram na Mesopotâmia de 2000
a. C. Ela foi depois refinada dentro das culturas babilônica, grega e romana, e teve sua idade de ouro no início da época moderna, do século XIV ao XVI.
 A astrologia se baseia, em resumo, na crença de que há uma correlação entre a posição dos astros e a vida  humana  individual.  Hoje, assim como em épocas medievais, muitas pessoas acreditam que sua vida e sua personalidade — e até mesmo o curso dos acontecimentos mundiais —  são  influenciados  pelas  posições relativas das estrelas e  dos  planetas  no  céu. De  particular relevância é o mapa astral, isto é, o aspecto celestial  no  momento  do nascimento.
Nem todos os que leem o horóscopo nos jornais ou mandam fazer seu mapa astral acreditam naquilo que  leem.  Mas    pessoas  que têm uma fé tão forte "no que dizem as estrelas" que isso se torna o próprio fundamento de sua visão da vida.
Os astrólogos afirmam estar praticando uma ciência  antiga,  mas não existe nenhuma base científica para a astrologia. Aqui, como em outros contextos, deve-se fazer uma distinção entre crença  e ciência.

Espiritismo
O espiritismo é a crença num mundo dos espíritos e na possibilidade de os vivos entrarem em contato com os espíritos dos mortos. Realizam-se sessões durante as quais os chamados médiuns afirmam transmitir mensagens de um espírito. Isso também pode ser feito por meio da chamada "escrita automática" ou "psicografia", em que um espírito controla a caneta do médium e dessa forma se comunica com os vivos.
A ideia de que os mortos continuam a viver e que se pode estabelecer contato com eles é bastante  antiga,  e  teve  representação  especialmente clara nas religiões que chamamos de primais. Muitas vezes tal noção floresceu após as guerras, quando  tantos  perderam  seus entes queridos. Não existem provas científicas dos fatos alegados pelo espiritismo, e muitas tentativas de monitorar cientificamente as sessões espíritas constataram charlatanismo. Uma teoria diz que,embora o médium atue com boa-fé, o "espírito" que fala por meio dele  é, na verdade, seu  próprio  subconsciente.  Assim  considerada,  a sessão espírita pode ter mais a ver com a hipnose ou com casos de personalidade dividida.
Em 1875, a russa Helena Blavatsky fundou em Nova York a Sociedade Teosófica, fundamentada no espiritismo. A teosofia de Blavatsky continha elementos de ocultismo misturados com as doutrinas indianas do carma e da reencarnação.
Mais recentemente, ideias espíritas ganharam força  num  estudo das chamadas experiências de quase-morte. Muitas pessoas que já estiveram próximas da morte afirmam que  sua  alma  deixou  o corpo (experiências extracorporais). Por exemplo, enxergaram-se deitadas na mesa de operação e puxadas para um estado espiritual, voltando depois ao corpo. Há quem considere que esses relatos dão mais peso às crenças espíritas.
Ufologia
Uma tendência mais moderna dentro do esoterismo  é  a  crença na existência de seres inteligentes em outros sistemas solares. Esses seres visitariam continuamente nosso planeta em discos voadores, ou OVNIs (Objetos Voadores Não Identificados, expressão do jargão dos pilotos americanos; em inglês, a sigla  é  UFOs, Unidentified Flying Objects). Muitas pessoas dizem que já viram OVNIs, e algumas afirmam que já viram seres do espaço — ou seja, que tiveram um encontro imediato de terceiro grau. Outras relatam que entraram em contato com seres do espaço sideral durante  sessões  espíritas.  Essa crença se tornou tão forte, em especial nos Estados Unidos, que deve ser considerada um novo movimento religioso. Existem igrejas dirigidas aos OVNIs também em outras partes do mundo. Por exemplo, George Adamski é um profeta que viaja pelo mundo contando suas conversas com seres de Vênus. Ele crê que o mundo esteja à beira de uma guerra atômica e que algumas pessoas serão salvas e levadas para outra estrela no universo, numa  versão moderna da  história da  Arca de Noé. Os livros de Erich von Däniken se concentram mais no  passado. Segundo sua teoria, diversos enigmas  históricos    podem ser explicados se aceitarmos que a Terra foi visitada por astronautas     de civilizações mais adiantadas vindos do espaço sideral.
Embora vários astrônomos e físicos  acreditem  que  possa  existir vida em outros planetas, por enquanto não há nenhuma prova conclusiva disso. Assim, não existem provas científicas para as  alegações da ufologia, como, aliás, para qualquer outro conceito religioso. Novamente, devemos aqui fazer uma distinção entre crença  e ciência.
Movimentos alternativos
Uma série de diferentes movimentos chamados "alternativos" surgiu nas últimas décadas como reação às igrejas estabelecidas, à ciência oficial e ao status quo. Muitos deles têm um novo  ponto  de vista sobre a vida, tão forte e predominante que não  podemos deixar  de considerá-los num levantamento de novas correntes filosóficas.
Existem incontáveis movimentos alternativos, e  suas  idéias  são tão díspares que é difícil abranger a todos sob um só título. Contudo, certas características são claras:
*             Há uma profunda desconfiança do materialismo. Trata-se de uma reação ao ponto de vista materialista e também à ciência aplicada, que levou ao acúmulo de armas atômicas e ã ameaça ambiental para a vida na Terra. O materialismo é prejudicial ao corpo e à mente, a nosso ambiente físico e a nossa cultura como um todo.
*             Dá-se ênfase a valores espirituais mais profundos, muitos inspira dos pela filosofia oriental. Mais e mais pessoas  estão  se  voltando para o carma e a reencarnação {p. 42) ou para a interação entre  yin e yang, de maneira totalmente independente de sua formação religiosa. Da mesma forma, o interesse pela meditação e pela ioga cresceu bastante nas últimas décadas — mais  ou  menos  isoladamente de seu próprio contexto religioso. Os astrólogos creem que estamos rumando para uma "nova era' (a Era de Aquário), a qual se caracterizará por uma orientação mais espiritual.  Tais ideias, originalmente enraizadas num contexto religioso, permitem- nos falar de uma nova "espiritualidade universal".
*             Muitas pessoas também são estimuladas por um novo  conhecimento. Várias ciências tradicionais entraram em crise neste século, entre elas a física atômica, que rompeu,  de  diversas  maneiras, com a física clássica e a física materialista {p. 242). Contudo, em gerai as conclusões que as pessoas tiram desse "novo conhecimento" vão muito além do que os especialistas achariam aceitável. O movimento da "Nova Era", que surgiu na Califórnia, acredita que todo o nosso processo científico de pensamento está prestes a passar por uma "mudança de paradigma", isto é, uma mudança fundamental para a própria natureza do pensamento científico.
Tentativas de encontrar novos canais para o pensamento se manifestaram ainda na área da medicina e saúde. Alega-se que a "medicina acadêmica" deve, pelo menos em certo grau, ser substituída pela "homeopatia" ou "naturopatia". O interesse pela acupuntura, pelas curas espirituais, pela análise da aura etc. também aumentou consideravelmente nos últimos anos.
*             E comum a uma área do movimento alternativo o interesse pela parapsicologia. Esta se concentra em fenômenos extra-sensoriais, como a telepatia {transmissão de pensamento), clarividência, levitação ou telecinesia (movimento de objetos físicos pela energia psíquica). Em várias regiões do mundo a parapsicologia é hoje uma disciplina científica séria, mas é ponto pacífico que também há muita fraude nessa área. O fato é que o cotidiano de um bom número de pessoas está tão impregnado da parapsicologia que esta pode determinar toda a visão que elas têm da vida.

*             Muitos movimentos alternativos creem que a nova mentalidade científica será caracterizada pelo "holismo" {da palavra grega holos, "total", "inteiro").  Ressalta-se  que,  em  diversos  casos,  o  todo   afeta   as partes. Cada órgão dentro do corpo é influenciado pelo indivíduo como  um todo; o indivíduo é  parte  de um sistema ecológico, e nosso planeta tem uma relação orgânica com o resto do universo. Essa  filosofia  também tem raízes bem antigas na história humana.
*             Os movimentos alternativos não apenas se preocupam em alterar  nossa maneira de pensar, mas  se  empenham  também  na  implantação de um novo estilo de vida, já  que    algo  fundamentalmente  errado com a civilização ocidental de modo geral.

FONTE: GAARDER, Josteins; HELLERN , Victor; NOTAKER, Henry. Livros das Religiões.

Religiões surgidas o Oriente Médio


Religiões surgidas no Oriente Médio:

 Monoteísmo        
Três das grandes religiões mundiais tiveram início no Oriente Médio: o judaísmo, o cristianismo e o islã. As três são monoteístas. São também chamadas "abraâmicas", por sua fé no Deus Único, que teria se revelado ao primeiro dos patriarcas bíblicos: Abraão (c. 1800 a. C). (Releia as epígrafes deste capítulo.) As três exerceram influência na região do Mediterrâneo, mas o cristianismo e o islã se difundiram muito mais que o judaísmo. Atualmente, elas são as duas maiores religiões do mundo.
Enquanto o cristianismo é sobretudo a religião do Ocidente (três quartos de todos os cristãos vivem na Europa e nas Américas), o islã se tornou uma religião importante na Ásia (três quartos de todos os muçulmanos vivem nesse continente). Na  África,  essas  duas  religiões   têm   mais   ou   menos   a   mesma   força.   O   islã   continua  firmemente enraizado na cultura árabe e é dominante nos países do  Oriente   Médio.   Apesar   disso,   hoje   em   dia   os   árabes abrangem  somente uma pequena parcela dos muçulmanos.
O judaísmo está deixando sua  marca  no  Estado  de  Israel, que foi fundado em 1948, porém apenas 5 milhões dos 14 milhões de judeus do mundo vivem ali. Quase a metade deles vive nos Estados Unidos.

Judaísmo
A palavra judeu deriva de Judéia, nome de uma parte do antigo reino de Israel. Judaísmo reflete essa ligação. A religião é chamada ainda de "mosaica", já que se considera Moisés um de  seus  fundadores. O Estado de Israel define o judeu como "alguém cuja mãe é judia e que não pratica nenhuma outra fé". Aos  poucos  essa definição foi ampliada para incluir o cônjuge. O judaísmo não é apenas uma comunidade religiosa, mas também étnica. Historicamente, o termo judeu tem conotações  raciais, porém estas são  inexatas.  Existem judeus de  todas as  cores  de pele.

O pacto de Deus com o povo escolhido

 Uma   das   características   do   judaísmo   é   ser   uma   religião  intimamente  ligada  à  história.  As  narrativas  da  Bíblia  se  baseiam  numa crença bem definida de que Deus fez uma aliança especial, um  pacto com seu povo escolhido, o povo hebreu.
As narrativas bíblicas começam com Adão e Eva e  uma série  de relatos dramáticos que ilustram as consequências da inclinação pecaminosa do ser humano e de seu  desejo  de  se  rebelar  contra Deus. Adão e Eva são expulsos do paraíso. Mais tarde,  o  mundo  inteiro é destruído por um grande dilúvio, do qual se salvam apenas Noé e sua família, juntamente com todos os animais  da  Terra.  Sodoma e Gomorra, cidades sem Deus, são aniquiladas, e a torre de Babel é derrubada, pois representam a  tentativa  humana  de  chegar até o céu.  Cada evento histórico é visto pelos autores da Bíblia como uma expressão da vontade de Deus.

DE ABRAÃO A MOISÉS
A fase histórica seguinte teve início quando Abraão saiu da ci- dade de Ur, localizada no atual Sul  do  Iraque, por  volta de  1800 a.C. O Gênesis relata que Deus disse a Abraão: "Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei. Eu farei   de ti um grande povo". Esse povo ganhou um nome após a dramática batalha de Jacó, neto de Abraão, com um anjo de Deus. O anjo então lhe deu o nome de Israel (o que venceu a Deus). Mais tarde, os doze filhos de Jacó geraram as doze tribos de Israel.
A história de José, um dos filhos de Jacó, narra como os israelitas foram parar no Egito, onde foram  escravizados  pelos  faraós. A Bíblia conta de que maneira Moisés os tirou dali e, depois de  quarenta anos errando no deserto, levou-os a Canaã, a Terra Prometida.
Durante a travessia do deserto Deus — Javé — deu a Moisés,  no  monte  Sinai,  as  duas  tábuas  da  Lei  com  os  dez  mandamentos a que os israelitas deveriam obedecer. Dessa forma, fez-se um pacto segundo o qual os israelitas deveriam reconhecer a  existência  de  um só Deus, e em troca se tornariam o povo escolhido  de  Deus.  Receberiam sua ajuda e seu apoio, desde que cumprissem o que lhes cabia no acordo e obedecessem às leis de Deus.
 Por  volta do  ano  1200 a.  C,  os  israelitas conquistaram  parte  de Canaã e por muito tempo viveram lado a lado com os habitantes não israelitas. Seus líderes políticos e religiosos eram os chamados "juizes", que procuravam cuidar de que o povo  respeitasse  as  leis dadas por Deus. Foi também por causa da guerra contra os filisteus que surgiu a necessidade de um poder político centralizado.

O REINO DE ISRAEL
 Saul introduziu a monarquia por volta do ano 1000 a. C, mas ela alcançou o apogeu durante os reinados de Davi e  Salomão,  quando Israel se tornou uma grande potência política. Davi, nascido em Belém, foi o grande rei que lutou contra os inimigos e uniu as doze  tribos, sob sua liderança, em Jerusalém. A Arca  da  Aliança    uma  arca contendo os dez mandamentos e que, segundo a tradição, os israelitas haviam trazido consigo do Sinai — foi então  transportada  para a nova capital. Ali, puseram-na no santuário interno do novo Templo, quando Salomão, filho e sucessor de Davi, o construiu no século X a. C,
O grande Templo de Jerusalém incluía um recinto fechado, o Santo dos Santos, contendo oferendas de incenso e os pães da proposição, e um vestíbulo externo onde se faziam os sacrifícios. Os sacerdotes do Templo estavam encarregados desses sacrifícios, que  poderiam ser oferendas de animais ou frutos da colheita. O culto era acompanhado por canções e hinos — os chamados  Salmos  de  Davi, que podemos ler na Bíblia. Os sacrifícios, que eram em parte uma oferenda a Deus, em parte uma expiação pela culpa, deviam ser feitos segundo regras estritas.
É possível que aos poucos as pessoas tenham começado a sentir tais sacrifícios como mecânicos, ao mesmo tempo  que  a  liderança do país dava sinais de decadência moral e política. Isso provocou a severa condenação dos profetas. Entre eles, destaca-se Amós, profeta que viveu por volta de 750 a.C. Em suas prédicas ele atacava os males sociais, como, por exemplo, a opressão dos pobres  pelos ricos. Além de Amos, vários  outros  profetas  deram  mais  peso   à  justiça e aos ideais éticos do que às  práticas  rituais  do  culto sacrificial.

O EXÍLIO NA BABILÔNIA
Os profetas advertiam o povo do juízo e da punição de Deus, porque as pessoas não estavam vivendo de acordo com as  leis  divinas. Muitos profetas viam. o declínio e a destruição do poder do país como um justo castigo para isso. O reino foi então dividido em dois, um reino do Norte (Israel) e um do Sul (Judá), tendo Jerusalém como capital. Em 722 a. C, o reino do Norte foi devastado pelos assírios e a partir daí deixou de ter significado político e religioso.
O reino do Sul foi conquistado pelos babilônios em 587 a.C. Grande parte da sua população foi deportada para o exílio  na Babilônia. Entretanto, em 539 a.C. os que desejavam voltar  para  a terra natal obtiveram permissão para isso, e daí  em  diante  se  tornaram conhecidos como judeus (palavra derivada de Judá e Judéia).

O JUDAÍSMO E A SINAGOGA
 Foi         depois  do          retorno                da           Babilônia             que        começou             a             se  esenvolver a religião que costumamos chamar de judaísmo. O núcleo  do judaísmo era a vida na sinagoga, local de culto onde os fiéis se reuniam para orar e ler as escrituras. Esse tipo de serviço religioso surgira por necessidade durante o  exílio babilônico, uma vez que ali  os judeus não tinham um templo onde orar. Ao voltar do exílio, eles construídas em diversas cidades. Nestas, uma função relevante era exercida pelos leigos versados nas escrituras, os quais  zelavam  por  elas, e buscavam interpretá-las e explicá-las.  Não  tardou  que  a maioria  desses  homens  instruídos  passassem  a  vir  das  fileiras  dos fariseus.
Os fariseus davam muita importância à Lei escrita nos cinco primeiros livros de Moisés — o Pentateuco —, e também às normas relativas à limpeza e ao asseio; procuravam interpretar a Lei segundo   as novas condições que prevaleciam. Nessa época, o papel do Templo   já se tornara secundário.
O            grande    Templo    de    Jerusalém,    destruído    durante  a  conquista babilônica de 587 a.C., foi reerguido em 516 a.C. O sumo sacerdote, os demais sacerdotes e os levitas a eles subordinados eram responsáveis pelo culto, que compreendia o sacrifício diário de um cordeiro em expiação pelos pecados do povo. Após o exílio babilônico,  o sumo sacerdote se tornou líder do Sinédrio, o conselho dos anciãos, que mais tarde incluiu ainda representantes dos homens mais instruídos.
Nessa época, os judeus caíram seguidas vezes sob o domínio político estrangeiro. No ano 70 d.C., uma revolta contra os romanos levou ao saque de Jerusalém. O Templo, que recentemente fora ampliado e transformado num esplêndido edifício pelo rei Herodes, foi outra vez arrasado; isso selou o fim do papel desempenhado pelos  antigos sacerdotes. Dessa época em diante, foi o novo formato de judaísmo, centrado nas sinagogas, que passou a predominar. Muitos judeus estavam agora dispersos pelas terras  do  Mediterrâneo  ou ainda mais longe. Eram chamados de judeus da Diáspora, palavra  grega que quer dizer "dispersão".


Um povo culto, porém perseguido

Em várias ocasiões os judeus assumiram  um  papel  de  liderança nos países onde se estabeleceram. A cultura judaica conheceu um apogeu na Espanha dos séculos XII e  XIII.    um  de seus maiores filósofos foi o rabino Moisés ben Maimón (Maimônides), que  escreveu  várias  obras  e  resumiu  os  ensinamentos  judaicos  nos  Treze princípios da fé judaica. Nesse país floresceu também o misticismo judaico, a cabala (ou "tradição").
Contudo, desde a Baixa Idade Média até hoje os judeus vêm so- frendo perseguições. Em diversos períodos a sociedade cristã  os acusou pelo assassinato de Jesus e considerou o destino  desse  povo uma punição. Os judeus foram deportados da Inglaterra e da  França nos séculos XIII e XIV; na Espanha, começaram a ser perseguidos no  século XV e acabaram expulsos em 1492. Na  Noruega,  uma  lei aprovada em 1687 negava a qualquer judeu o acesso ao país sem permissão especial, e a Constituição norueguesa de 1814  conservou esse embargo. A "cláusula judaica" só foi anulada em 1851.
Sem dúvida, a pior de todas as perseguições sofridas pelos ju- deus   ocorreu  na   Alemanha  entre  1933  e   1945.  Acredita-se  que   6 milhões de judeus foram exterminados durante  o  regime  nazista. Fazia muito tempo que os judeus vinham tendo uma participação proeminente  na   vida  cultural   da   Europa   Central,  como   artistas, cineastas, escritores e cientistas. Também havia jornais e  livros,  filmes e peças de teatro que circulavam  em  iídiche,  língua  semelhante ao alemão mas escrita com caracteres  hebraicos,  falada por muitos judeus.
Mesmo nos períodos em que não havia  perseguição  direta,  com freqüência os judeus eram tratados como  párias  sociais.  Eles  eram forçados a adotar nomes facilmente reconhecíveis e a morar em áreas especiais da cidade, os chamados guetos. Numa época em que a agricultura consistia no meio mais comum de subsistência, era-lhes proibido possuir terras, o que os impeliu a se destacar no comércio. Diferentemente dos muçulmanos e dos católicos, sua religião lhes permitia ganhar juros emprestando dinheiro, e muitos deles se tornaram importantes banqueiros.

As expectativas messiânicas e o sionismo

Durante milhares de anos os judeus esperaram um  Messias  que viria criar um reino de paz na Terra. As raízes históricas dessa expectativa datam da idade de ouro de Israel, no reinado de Davi, quando os reis eram ungidos ao subir ao trono.  Na  verdade,  a  palavra Messias significa "o ungido". Desde a época do exílio babilônico os judeus alimentaram a esperança e a crença de que chegaria um Messias, um novo rei saído da linhagem de Davi. Esse rei ideal iria restabelecer Israel como uma grande potência, e seu povo passaria a viver em eterna felicidade.
Até hoje a expectativa da chegada do Messias continua viva em   muitos   judeus.  Mas   nem   todos  pensam  no  Messias  como uma pessoa; falam, em vez disso, numa futura "era messiânica": um estado de paz na Terra, no qual Israel assumiria um papel de destaque. Alguns judeus acreditam que a fundação de Israel, em 1948, cumpriu as expectativas messiânicas que seu povo conservou de geração em geração.
A fundação do Estado de Israel  constituiu  a  culminância  de um longo processo cujos primeiros passos foram dados no final do  século   XIX,   quando   muitos   judeus   começaram   a   falar   sobre   a possibilidade de voltar para sua antiga pátria. Isso representou o reforço palpável de um antigo desejo, que é repetido pelos  judeus  todos os anos na Páscoa: "No ano que vem  em  Jerusalém". O  escritor  e jornalista Theodor Herzl (1860-1904), em seu influente livro  O Estado    judaico,    argumentava    que,    como    nem    a    integração e assimilação  dos  judeus  aos  países  onde  viviam  conseguira  acabar com  a  perseguição  a  eles,  a  única  solução  seria  lhes  dar  um  Estado próprio. Essa idéia foi chamada de sionismo, palavra vinda de monte Sião, colina sobre a qual Jerusalém foi parcialmente construída.
Naquela época havia apenas cerca  de  25  mil  judeus vivendo na Palestina; a  partir daí, porém, iniciou-se uma considerável onda  de imigração, em especial de judeus russos.  Mas  os  planos  para fundar um país próprio progrediam devagar, em parte porque na época a Palestina era uma colônia britânica. Entretanto, a  perseguição nazista aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial gerou uma situação inteiramente nova. Terminada a guerra, a nova República de  Israel  foi  proclamada em  1948. Muitos antigos sionistas  desejavam  criar  um  Estado  laico,  secular,  mas  os  judeus  ortodoxos conseguiram realizar seu desejo de que o país fosse fundado com base na religião judaica.
Esse novo Estado tem vivido em contínuo conflito com o mundo árabe, também por causa dos milhares de palestinos que foram deslocados na época da fundação de Israel.
Desde sua criação, Israel já  recebeu  imigrantes judeus  vindos de todos os cantos do mundo, que trouxeram ao país uma variedade de ideias e tradições.


As Sagradas Escrituras

O livro sagrado dos judeus é a Bíblia, uma coleção de textos de natureza histórica, literária e religiosa. A Bíblia judaica equivale ao Antigo Testamento, porém é organizada de maneira um pouco diferente. O  cânone judaico foi fixado por um  concilio era Jabne  por volta de 100 d.C. Compreende 24 livros,  divididos  em  três grupos:
*             A Lei (Torá) — o Pentateuco, ou os cinco livros de Moisés
*             Os profetas (Neviim) — os livros históricos e proféticos
*             Os escritos (Ketuvim) — os demais livros

Se tomarmos as letras iniciais  dessas  três  partes,  veremos que formam o acrônimo Tenakh, que é o nome judaico comum para a Bíblia. Na verdade, a palavra Bíblia vem do termo grego que significa "livros".

A LEI (TORÁ)
Na época de Cristo, os cinco livros de Moisés (ou Pentateuco) eram considerados pelos judeus uma só entidade e chamados de "A Lei", pois continham as normas judaicas legais e morais, assim como   as regras relativas ao culto. A divisão em cinco livros data de suatradução para o grego, que foi feita com base no original hebraico por volta de 200 a.C.
Os cinco livros de Moisés não foram escritos por um  único  autor do início ao fim. A miríade de histórias  que  neles  se  encontra  foi, por muito tempo, transmitida sobretudo oralmente. Os livros de Moisés compreendem, portanto, um complexo conjunto de textos escritos durante um longo período, num processo que se completou  por volta de 400 a.C.

OS LIVROS HISTÓRICOS E PROFÉTICOS
E típico desses livros considerar os acontecimentos políticos uma expressão das relações entre Deus e os israelitas, sob circunstâncias variadas. Toda a história de Israel é apresentada como um exemplo da lei da justa retribuição: a conformidade com a vontade de Deus traz bênçãos para seu povo, com tanta certeza como a desobediência e a apostasia (o abandono da religião) levam a um julgamento severo e à dor. O destino de Israel é constantemente interpretado à luz das exigências divinas. Assim, tais livros podem ser lidos como uma justificativa para a destruição do  Templo  de Jerusalém e para o exílio de grande parte da população na Babilônia.
Trata-se da mais antiga história escrita  de  que    registro no mundo. Esses livros surgiram muito antes de haver algo como a história comparada ou a análise das fontes.
No entanto, o objetivo dos livros históricos do Antigo Testa' mento não era propriamente registrar a história, e sim dar a ela uma interpretação religiosa.
Dois dos livros históricos receberam nomes de mulher. Os livros de Rute e de Ester são histórias curtas e belas, com mulheres no papel principal.
Os livros proféticos são Isaias, Jeremias, Ezequiel e os Doze Profetas Menores, assim chamados por causa da brevidade de suas obras; Oséias, Joel, Amos, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

Segundo seu próprio testemunho,  os  profetas  foram chamados  para proclamar a vontade de Deus. Muitas vezes eles usam    a fórmula "Diz o Senhor".
Ao transmitir uma mensagem, por exemplo, vinda de um rei, o mensageiro a iniciava com as palavras "Diz o rei".  Desse modo,  deixava claro que não estava falando por si mesmo. Esse preâmbulo funcionava como uma assinatura ou o carimbo de  uma  carta  na  época moderna. Da mesma forma, os profetas acreditavam que tinham sido enviados por Deus para levar a mensagem dele ao povo.
Se as pessoas não vivessem segundo as exigências feitas  por esse Deus justo, ele iria, segundo os profetas, distribuir  seu  julgamento e aplicar seu castigo.
Um bom exemplo da pregação desses profetas é a de Amós, o profeta mais antigo da Bíblia, que viveu por volta de 750 a.C. Seu ataque contra o abandono da maneira correta de adorar a Deus, bem como suas críticas à desigualdade social e à opressão dos ricos sobre    os pobres, continua despertando interesse até hoje. Amós chega a  ponto  de  mostrar os pobres e oprimidos como os verdadeiros justos, em oposição aos ricos.
Na verdade, vários profetas davam mais ênfase à justiça e aos ideais éticos do que às demonstrações externas do culto  sacrificial. "Que  me importam vossos inúmeros sacrifícios?, diz Iahweh." "Basta  de trazer-me oferendas vãs: elas são para mim um  incenso  abominável." "Tirai da minha vista as vossas más ações! Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem" (de Isaías 1).
Assim como as profecias prediziam que haveria um julgamento severo sobre Israel, elas previam também a salvação. Essas promessas, palavras de consolação, afirmavam que Deus haveria de salvar do julgamento e da destruição alguns "remanescentes" de seu povo, e  enviar um príncipe ou rei da paz, vindo da linhagem de Davi, que faria Israel reviver e o conduziria a um futuro feliz. Tais profecias são particularmente numerosas em Isaías, nos capítulos 7,  9  e  11:  "O  povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria como a da morte".
Um terceiro tipo de voz profética é a exortação, representando algo intermediário entre os dois outros tipos de profecia. Aqui, o caminho está aberto para que as pessoas se salvem do julgamento divino, desde que se arrependam e  vivam de  acordo com a  vontade de Deus: "Procurai o bem e não o mal para que possais viver, e, deste modo, Iahweh, Deus dos Exércitos, estará convosco, como  vós  o  dizeis! Odiai o mal e amai o bem, estabelecei o direito logo à porta; talvez Iahweh, Deus dos Exércitos, tenha compaixão  do  resto  de  José" (Amós 5,14-15).

OS ESCRITOS POÉTICOS
Entre os textos poéticos do Antigo Testamento, foram os Salmos que tiveram maior significado histórico. A maioria dos 150 salmos foi escrita na época dos reis, isto é, antes da destruição de Jerusalém em 587 a.C. Foram compostos sobretudo para os  serviços do Templo e as grandes festas do Templo em Jerusalém. Mas também há exemplos de salmos que os israelitas dizem em suas orações individuais. Com base em seu conteúdo, podemos dividir os salmos em vários tipos. Os três mais importantes são os cânticos de louvor (hinos), de lamentação (orações) e de ação de graças.
O fato de cerca de metade  dos  salmos  serem  atribuídos  a Davi não quer dizer que tenha sido realmente ele o autor. Vários salmos são mais recentes. A expressão "de Davi" também pode significar "pertencente a Davi" ou "para o rei Davi". Mesmo assim, é possível que alguns dos salmos mais  antigos  tenham  sido  escritos  pelo próprio rei Davi.
O Livro de Jó é considerado por muitos uma "jóia da literatura mundial". Com seu suspense e sua construção quase novelesca, ele aborda o significado do sofrimento e da justiça de Deus. Jó é um homem justo e temente a Deus, que é posto à prova por Satã, com o consentimento de Deus. Ele então perde tudo o que possuía, e  sua  vida fica em ruínas. Em seu infortúnio, Jó clama contra Deus. Por que um homem justo como ele haveria de sofrer um destino tão terrível? Deus responde que o  homem não tem o direito de ir contra   a vontade de seu Criador; na verdade, não tem direito algum em relação a Deus. O livro termina com Jô aceitando seu destino e se submetendo a Deus — levando dessa maneira a que o vencedor da "aposta" seja Deus, e não Satã. No final, Jó não só consegue reaver todas as suas posses, como vê que elas foram "redobradas" por Deus.
A mais recente das escrituras do Antigo Testamento é o Livro de Daniel, escrito por volta de 165 a.C. Faz parte da literatura apocalíptica característica daquele período. A palavra apocalíptico vem de um termo grego que significa "descobrir" ou "revelar". Aqui, indica uma literatura que irá desvelar ou revelar o plano de Deus para o mundo.

O TALMUD — COMENTÁRIOS SOBRE A LEI
Além da Torá escrita, os judeus também tinham regras e mandamentos transmitidos oralmente. Segundo a  tradição  judaica,  no monte Sinai, Moisés recebeu não apenas a "Lei escrita" de Deus, mas ainda a "Lei falada". Era proibido escrever a Lei falada, pois esta deveria ser adaptada às condições reais de vida em diferentes lugares e épocas. Porém, depois que os judeus se dispersaram pelo  mundo,  surgiu o medo de que a Lei falada se perdesse. Assim, decidiu-se registrá-la por escrito, o que foi feito nos séculos que se seguiram à destruição de Jerusalém. Esse material se chama Talmud, palavra hebraica que significa "estudo". O Talmud contém leis,  regras, preceitos morais, comentários e opiniões legais, mas também histórias  e lendas que discutem esse conteúdo. É bem sabido que  o  Talmud  não é, em si, um livro de ensinamentos, e sim um texto usado pelos rabinos em seus ensinamentos,  para  orientação  dos  fiéis  em situações concretas.

A noção de Deus

O credo judaico é: "Ouve, ó Israel: Iahweh nosso Deus é o único Iahweh!" (Deuteronômio 6,4).
 Esse credo, que é repetido pelos judeus devotos todas as manhãs e todas as noites de sua vida, mostra que o judaísmo é uma religião monoteísta. Deus, o Deus único, é o criador do mundo e o senhor da história. Toda vida depende dele, e tudo o que é bom flui dele. E um Deus pessoal, que se preocupa com as coisas que criou.
Quem é Deus — ou o que é Deus — é algo que não pode ser ex- presso em palavras. O nome de Deus é representado pelas letras IHVH, um acrônimo que em hebraico significa "eu sou quem sou". Esse acrônimo costuma ser lido como "Jeová" ou "Javé", porém o nome real  é tão sagrado que sempre se usa algum sinônimo, como "o Senhor" ou  "o nome".
Jeová é o criador e sustentador do mundo. A idéia de que Deus possa não existir é alheia a um judeu. Elie Wiesel,  que  recebeu  o  prêmio Nobel da Paz, sintetizou: "Você pode ser a favor de Deus ou contra Deus, mas não pode ser sem Deus".
O fato de que Deus é um e apenas um se reflete também na existência humana. Toda a vida de um homem deve ser consagrada. Não há linha divisória que separe o sagrado do profano. Honra-se ao Senhor também na  vida secular. A  tarefa mais importante do  homem é cumprir todos os seus deveres para com Deus e para com seus semelhantes.

A SINAGOGA E O SHABAT
Numa sinagoga não há imagens religiosas nem objetos no altar, pois as imagens são proibidas (é o segundo mandamento). O ponto  focal de uma sinagoga judaica é, pois, a Arca, uma espécie de armário que fica na parede oriental, na direção de Jerusalém. Ali  se  guardam  os rolos da Torá, escritos em pergaminho. Como sinal  de  respeito,  esses rolos costumam ser envoltos numa capa de seda, veludo ou outro material nobre, e decorados com sinos, uma coroa e um escudo de metal precioso. Mantém-se sempre  uma  lâmpada ardente diante  da Arca.
No serviço da sinagoga das manhãs de sábado há um grande cerimonial em torno da leitura da  Torá. Abre-se a  Arca, e  os  rolos são levados ao redor da sinagoga até o altar. Ali se lê um trecho do texto em hebraico. A leitura da Torá também é feita às segundas e quintas-feiras; desse modo, no decurso de um ano se lê o cânone inteiro.
Além da leitura da Torá, o serviço contém orações, salmos e bênçãos, todos contidos num livro especial chamado Sidur. A oração mais importante são as Dezoito Bênçãos, que tem  mais  de  2  mil  anos. Outro foco importante é o credo, o Shemá.
Um cantor sacro, membro leigo da congregação, dirige  o serviço. No entanto, o sermão e o ensino da Lei são  responsabilidade do rabino, sempre um homem instruído e de alta escolaridade,  que cada congregação nomeia separadamente.
Os serviços da sinagoga podem  ser  realizados  diariamente, três vezes por dia, contanto que dez homens  adultos  estejam  presentes. O status de adulto é concedido pela cerimônia do  Bar  Mitsvá, quando o menino faz treze anos. As mulheres não desempenham parte ativa no serviço e são segregadas  nas congregações ortodoxas, ficando em geral numa galeria separada, juntamente com as crianças.
As três orações diárias também são ditas em casa. A religião ocupa lugar de relevo num lar judaico, e aí as mulheres assumem um papel ativo, particularmente no Shabat  (sábado)  e  nas  grandes festas.
O Shabat dura desde o pôr-do-sol de sexta-feira até o pôr-do- sol de sábado. A base para a observância do Shabat se encontra na história da criação do mundo: no sétimo dia  Deus  descansou.  Por isso, o homem também deve descansar nesse dia.  O  sábado  se  tornou uma festa semanal de renovação, a festa do lar e da família.
 A esposa, que sempre foi um fator decisivo na preservação dos costumes judaicos, abençoa e acende as velas do Shabat na mesa já posta. O marido abençoa o vinho e corta o pão especial do Shabat. A participação no jantar de Shabat é sagrada e tem grande importância para a união da família judaica.
KOSHER — REGRAS ALIMENTARES ESTRITAS
Os judeus têm regras  detalhadas  para  a  alimentação, normas cujas origens se encontram na Bíblia. Os  alimentos  que  podem ser comidos são chamados kosher, palavra que originalmente significava "adequado" ou "permitido".
A carne só pode provir de animais que ruminam e têm o casco partido, o que exclui o porco, o camelo, a  lebre, o  coelho e  outros.  Das aves, podem-se comer as não-predatórias. Dos peixes, são kosher apenas os que possuem escamas e barbatanas; logo, estão eliminados polvos, lagostas, mariscos, caranguejos, camarões etc.
Os animais e as aves que não podem ser comidos são denominados impuros; tampouco se podem comer seus ovos ou beber seu leite.
Toda comida feita de sangue também é proibida, já que a vida está no sangue. Assim, é importante que ao abater os animais, seja extraído deles o máximo de sangue possível. O restante é retirado com água e sal. Os animais devem ser abatidos por um especialista, sob superintendência rabínica, da maneira mais rápida e  indolor.  É  proibido comer qualquer carne que não tenha sido obtida de um  animal abatido segundo as regras.
As frutas e verduras são todas  kosher,  bem  como  a  maioria das bebidas alcoólicas e não alcoólicas. A exceção  são  as  bebidas feitas de  uva (vinho e conhaque), que devem vir de produtores judeus    e ser cuidadosamente rotuladas.
Além dessas regras, os judeus têm um costume especial que proíbe comer derivados de leite juntamente com derivados de carne. Se  o cardápio contém bife, o molho não deve conter manteiga, nem se deve terminar a refeição com café com leite, creme ou sorvete. Para garantir que esses dois tipos de alimentos não se misturem, os judeus ortodoxos usam dois conjuntos de utensílios de cozinha, um para leite    e outro para carne. Eles devem ser lavados em bacias separadas e enxutos com diferentes panos e toalhas.  Algumas  pessoas  chegam  a  ter duas geladeiras e duas lavadoras de louça.

 ÉTICA JUDAICA
Os judeus não fazem distinção nítida entre a parte ética e  a parte religiosa de sua doutrina. Tudo pertence  à  Lei  de  Deus.  Existem 248 ordens afirmativas e 365 proibições, totalizando 613 mandamentos. Além desses mandamentos, a vida do judeu é regulada por muitos costumes e práticas que surgiram ao longo da história.  Diz-se que um costume judaico é tão obrigatório quanto uma lei.
O judaísmo dá destaque  a  uma  série  de  qualidades eticamente boas: generosidade, hospitalidade, boa vontade para ajudar, honestidade e respeito pelos pais. Um princípio fundamental é não fazer mal aos outros, ou, de maneira afirmativa: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Levítico 19,18).
Muitos judeus dão um dízimo (10%) de sua renda para causas dignas, mas as doações podem ser grandes ou pequenas.  A  Bíblia  exige que sejam dados de presente aos pobres os  frutos  da  terra.  Desde os tempos antigos era hábito não colher o que desse nos cantos dos campos, para que os pobres pudessem ali entrar e colher para si. Do mesmo modo, parte das azeitonas e das uvas era deixada nas  árvores e nos vinhedos para ser apanhada pelos pobres.
A palavra usada na Bíblia para se referir a ajuda aos pobres é justiça. Dar esmolas não é fazer caridade, e sim cumprir o dever de combater a pobreza, baseado nas palavras de Deus: "Jamais haverá nenhum pobre entre vós". A exigência de justiça tem lugar proeminente na ética e inclui, além dos pobres, também os fracos (viúvas e órfãos) e os estrangeiros: "O estrangeiro que habita convosco será para vós como um compatriota, e tu o amarás como a ti mesmo, pois fostes estrangeiros na terra do Egito" (Levítico 19,34).
Como há muitos mandamentos, é natural que em certas circunstâncias eles entrem em conflito. Quando isso acontece, a vida humana está acima de tudo. Por exemplo, uma vida humana deve ser salva mesmo que isso quebre as leis do Shabat.

Fases da vida
Os judeus têm costumes muito antigos relativos ao ciclo  da  vida: nascimento, juventude, casamento e enterro.
CIRCUNCISÃO
Oito dias após o nascimento os meninos são circuncidados, conforme o mandamento da Torá: "Deveis circuncidar a pele do prepúcio, e  este será o sinal da aliança entre nós. Cada varão dentre vós, em cada geração, será circuncidado no  oitavo  dia".  A  circuncisão é feita por um especialista- Os padrinhos levam a criança até o "representante", que a segura durante a cerimônia. Esta é acompanhada de orações,  e  a  criança recebe formalmente seu nome. E uma cerimônia religiosa realizada numa atmosfera de alegria e celebração. Costuma ser seguida por uma refeição festiva.
A menina também recebe seu nome formalmente na sinagoga uma semana depois do nascimento. Seu pai é chamado até a  Torá, e  se faz uma oração pela mãe e pelo bebê.

BAR MITSVÁ E BAT MITSVÁ
Aos treze anos o menino judeu se torna um Bar Mitsvá, expressão em hebraico que significa "filho do mandamento". Isso acontece na sinagoga, no primeiro sábado após seu 13° aniversário. Durante o ano precedente ele deve ter aulas com um rabino ou outra pessoa instruída, para aprender as leis e os costumes judaicos. Deve também aprender o trecho da leitura da Torá que será  feita  no  sábado em questão. Quando chega o dia, ele deve se levantar e ler alto seu texto, cantando-o conforme o costume. Isso confirma que ele passou a ser um membro pleno da congregação, com todas as responsabilidades que daí decorrem. Depois da cerimônia é hábito oferecer uma festa para a família e os amigos.
Uma menina se torna automaticamente Bat Mitsvá (filha do mandamento) quando completa doze anos. Costuma-se celebrar esse fato no primeiro sábado após seu  12°  aniversário.  Para  isso  ela prepara algumas palavras que deve dizer com a bênção (o kidush)  depois do serviço. Por volta dos quinze anos as meninas aprendem o principal da história e dos costumes  judaicos,  particularmente  as regras alimentares, que são responsabilidade da mulher.

CASAMENTO
A família desempenha um papel muito especial no judaísmo. É dela que os judeus recebem sua identidade cultural e sua educação básica. O casamento é considerado o modo de vida ideal, instituído por Deus, e é o único tipo de coabitação permitido. Um judeu tem por obrigação casar com uma pessoa judia, porém os casamentos mistos estão se tornando cada vez mais comuns, o que vem causando certos problemas na comunidade judaica.
Alguns dias antes do casamento a mulher deve tomar um banho ritual. No dia do casamento, o noivo e a noiva ficam em  jejum até o final da cerimônia. O casamento pode  ser  celebrado  em qualquer lugar, mas normalmente acontece na sinagoga, debaixo de uma espécie de toldo (hupá) que simboliza o céu. Em geral é  um  rabino que realiza a cerimônia e lê as bênçãos  e  exortações.  Os  noivos então compartilham de um mesmo copo de vinho, como sinal  de que irão dividir tudo o que a vida lhes trouxer. Em seguida, o noivo põe a aliança no dedo da noiva, dizendo em hebraico: "Eis que tu és consagrada a mim por esta aliança, segundo a Lei de Moisés e  de  Israel".
Nesse  ponto  a  ketubá  é  lida  e  entregue  à  noiva.  A  ketubá consiste no contrato de casamento, que é assinado pelo noivo antes da cerimônia e reúne todos os seus deveres para com a noiva.
Até aí a cerimônia não passou da formalização de um compromisso, mas tradicionalmente a formalização do compromisso  já está incluída na própria cerimônia. O casamento propriamente dito começa com a leitura de sete bênçãos especiais; depois disso o casal toma vinho mais uma vez. O noivo então quebra um copo com o  pé,  em memória da destruição do Templo. Após o  casamento os  noivos  são levados a um quarto particular, onde podem quebrar  o  jejum,  e ficar a sós. Nos círculos estritamente ortodoxos, esta será a primeira vez que isso acontece. No fim da cerimônia, costuma-se oferecer uma grande festa e uma refeição comemorativa.
O divórcio é permitido, mas para que seja legítimo, deve ser sancionado por um tribunal rabínico e selado pelo marido, que dá à esposa a carta de divórcio.

ENTERRO
O enterro deve ocorrer o mais rápido possível depois da morte, em consideração às condições do corpo. A cremação não é permitida.   0 corpo do falecido é lavado, vestido com uma roupa branca simples e colocado num caixão de madeira sem ornamentos. Os homens são enterrados com seu xale de oração.
Não se usam flores nem música na cerimônia, que é realizada pelo cantor sacro. Ele joga três pás de terra sobre o caixão enquanto recita: "O Senhor dá e o Senhor tira — bendito seja o nome do Senhor". 0 rabino faz um discurso em memória do morto, e os filhos homens, ou o parente mais próximo do sexo masculino, recitam uma oração — o Kadish. Após o funeral, a família fica de luto por uma semana. No aniversário da morte, todos os anos, os parentes mais próximos acendem uma vela na sepultura e lêem o Kadish. Os judeus têm muito apreço por seus cemitérios e  os  tratam com grande respeito. É aí que os mortos irão descansar até a ressurreição.

Festivais anuais
As festas judaicas são associadas ao calendário judaico e em  geral têm uma base histórica. Os judeus contam o tempo em relação à criação do mundo, a qual, segundo nosso  calendário,  ocorreu  em  3761  a.C.  0 calendário se apóia no ano lunar e tem doze meses de 29  ou trinta dias, com 354 dias ao todo. Acrescenta-se um mês extra sete vezes durante cada ciclo de dezenove anos, para alinhar o ano lunar  pelo ano solar; com esse arranjo, as datas festivas mudam de ano em ano, do mesmo modo que a Páscoa cristã. Três delas são festas de peregrinação, com raízes no antigo Israel. Eram ocasiões em que todos os homens deviam fazer uma peregrinação ao Templo de Jerusalém, levando seus sacrifícios. Algumas outras festas se fundamentam em acontecimentos históricos.

O Ano-Novo (Rosh ha-Shaná, em hebraico) é celebrado em setembro ou outubro. No mês anterior, todos os judeus  procuram  cuidar especialmente bem de suas  obrigações  religiosas  e  praticar atos de caridade. E uma data em que cada um deve se concentrar na auto-análise e no arrependimento, refletindo sobre suas ações e tentando melhorá-las. Mas os festejos do Ano-Novo também comemoram Deus como criador e rei. 0 serviço religioso do Ano-Novo contém orações em que predomina o arrependimento. Uma parte do ritual consiste em tocar um chifre de carneiro. Este simboliza  o  carneiro que Abraão sacrificou no lugar de Isaac e lembra, portanto, a compaixão divina. Uma grande refeição festiva é preparada nas casas, com diversos pratos simbólicos. É  hábito  comer  maçãs  mergulhadas no mel, enquanto os convivas fazem votos de que todos tenham "um ano bom, um ano doce".

O Dia do Perdão, ou Iom Kipur (dia da expiação), termina o período de dez dias de arrependimento iniciado no Ano-Novo. Tradicionalmente, no antigo Israel, o Dia da Expiação era o único dia do ano em que o sumo sacerdote entrava no Santo dos Santos, o recinto mais sagrado do Templo. Isso se dava após o sacrifício de um carneiro, como sinal de  expiação pelos pecados do povo. Hoje em dia  os pecados são confessados na sinagoga e o indivíduo pede perdão a Deus depois de ter se reconciliado com seus semelhantes. O serviço é finalizado com o toque do chifre de carneiro e com os votos: "No ano que vem em Jerusalém". Essa é a comemoração mais  importante  e mais pessoal para os judeus.

A Festa dos Tabenáculos, ou Sukot (festa das tendas), acontece poucos dias depois do Dia do Perdão. Nela se constroem cabanas de folhas, no jardim da casa ou próximo à sinagoga. Isso é feito em memória das tendas onde os judeus moraram durante sua peregrinação no deserto e do cuidado que Deus dedicou a eles. Mas essa festa é também uma alegre ação de graças pela colheita.  No  último dia se conclui o  ciclo anual da leitura da Torá, e um novo ciclo  se inicia, recomeçando a leitura a partir do Gênesis. Os rolos da Torá são tirados de sua arca e levados numa procissão cerimonial.

A Festa da Inauguração (Chanuká) é comemorada em novembro ou dezembro durante um período de oito dias. A  cada dia  se acende uma vela, num candelabro de oito ramificações típico de Chanuká. Essa festa comemora uma grande vitória dos judeus ocorrida em 165 a. C, quando inauguraram novamente o Templo de Jerusalém, depois que os invasores sírios o haviam profanado e proibido o culto judaico. Essa festa vem adquirindo características semelhantes às do Natal cristão, com troca de presentes e muita atenção às crianças.

A Páscoa em hebraico é chamada Pessach, que significa "passar por cima". É uma referência ao relato da Torá sobre o anjo do Senhor que, ao levar a décima  praga  ao  Egito,  "passou por cima" das casas dos israelitas e, desse modo, só os primogênitos egípcios morreram. O Pessach é celebrado em março ou abril e comemora o  êxodo  dos  judeus da escravidão do Egito. Antes do início do Pessach, os judeus devem fazer uma limpeza ritual na casa. Devem usar ainda um serviço especial de pratos para a comida e não podem comer nem beber nada que contenha grãos ou farinha fermentada. A Páscoa também é denominada "festa do pão ázimo", pois celebra a ocasião em que os judeus saíram do Egito às pressas, sem tempo de esperar o pão fermentar e crescer. Assim, durante os oito dias da Páscoa se come apenas matsá, que é pão ázimo, ou sem fermento.
Quando a família senta para  fazer  a  refeição  de  Pessach, uma criança pergunta: "Por que esta noite é diferente de todas as noites?". E o pai então explica como os judeus saíram do Egito e se tornaram um povo.
A refeição da Páscoa é chamada seder, palavra hebraica  que quer dizer "ordem", pois segue um ritual fixo, com pratos tradicionais  de significado simbólico. Devem-se mergulhar ramos de salsa numa tigela com água salgada, simbolizando as lágrimas dos judeus no Egito. As ervas amargas lembram a infelicidade  da  escravidão  sob  o domínio do faraó. Uma mistura de maçã ralada, nozes, vinho e mel representa o cimento que os judeus utilizavam para fazer tijolos. Um osso de carneiro assado simboliza o sacrifício pascal. Ovos cozidos recordam os sacrifícios feitos no Templo. Bebe-se também vinho, o símbolo da alegria.

A Festa das Semanas (Shavuot), ou o Pentecostes judaico, cai cm maio ou junho e comemora a ocasião em que a Torá foi dada ao  povo no monte Sinai. Na sinagoga são lidos os dez mandamentos e o Livro de Rute. A história do livro de Rute se passa durante a colheita  de trigo, e no antigo Israel os peregrinos chegavam ao Templo com cestas carregadas das primeiras espigas de trigo. Hoje, as decorações com flores e ramos lembram a área em torno do Sinai. A refeição é composta sobretudo de frutas, peixe e alimentos leves feitos de leite: bolos de queijo, panquecas etc. Isso porque quando os  judeus  receberam a Torá no Sinai, com a proibição de comer carne e leite na mesma refeição, decidiram se afastar da carne.

Islã
O que significa a palavra islã?

 O           islã         teve      origem na           Arábia   e             ainda     hoje      está intimamente relacionado à cultura árabe. Entre outras razões, porque o  livro sagrado dos  muçulmanos, o Corão ou Alcorão,  foi escrito em árabe. Em consequência, o elemento árabe é importante   no    islã,    embora    hoje        uma    minoria dos muçulmanos seja árabe. O islã está amplamente difundido em vastas regiões da África e da Ásia, e é praticado por uma sétima parte  da  população  do  mundo  (por  volta  de  15%). Atualmente é a  segunda  maior religião do  planeta  depois do  cristianismo,  e grandes levas de imigrantes asiáticos e africanos o transformaram também na maior religião  de  minorias  étnicas  na Europa.
A palavra árabe íslam significa "submissão". E um significado forte. Percebe-se na raiz do nome algo essencial nessa religião: o homem deve se entregar a Deus e se submeter a Sua vontade em todas as áreas da vida. Trata-se da condição para ser muçulmano, palavra árabe que tem a mesma raiz que íslam.
Como religião, o islã não compreende apenas a esfera espiritual, mas todos os aspectos da vida humana e social. A relevante na história do islã. Na maioria dos países islâmicos, os que têm conhecimentos jurídicos costumam atuar como líderes religiosos. Não existe um sacerdócio organizado.
Uma descrição geral do islã se divide em três tópicos principais:
*             credo (monoteísmo e revelação);
*             deveres religiosos (os cinco pilares), e

*             relações interpessoais (ética e política).

Antes de examinar esses aspectos, porém, é  indispensável dizer algo acerca do fundador do islã: Maomé, Mohammed ou Muhammad.

MAOMÉ
Por muito tempo o islã foi conhecido no Ocidente como "maometanismo", em razão da forte influência do profeta Maomé sobre o islã.
O islã, a mais recente das  grandes religiões mundiais, remonta a Maomé, que nasceu em Meca, na Arábia, no final do século VI, por volta de 570 d.C. Filho de uma das principais famílias da cidade — importante centro comercial e posto de parada para as caravanas que transitavam pela península Arábica —, Maomé ficou órfão  ainda criança. Um de seus tios, Abu Talib, cuidou dele e o sustentou quando ele começou a fazer suas prédicas. Foi esse mesmo tio  que  levou  Maomé a trabalhar como condutor de camelos para Khadidja, a rica viúva de um mercador, de excelente família, que embora quinze anos mais velha que ele, mais tarde se tornou sua esposa. Khadidja foi a primeira a seguir Maomé quando ele lhe falava das revelações que tinha; ela exerceu bastante influência em seu desenvolvimento religioso. Maomé nunca teve outra esposa.

A FORMAÇÃO RELIGIOSA DE MAOMÉ
 Meca  era  não  apenas  um  importante  centro  comercial,  mas também um dos centros religiosos da Arábia. As tribos nômades que viviam próximas à cidade já consideravam sagrada a pedra negra de Meca, que recebia peregrinações bem antes da época de Maomé. Porém, tanto em Meca  como  entre  os  beduínos,  cultuavam-se e  se  adoravam muitos deuses e seres sobrenaturais. Com freqüência, tratava-se de deuses tribais, já que a tribo e a  família eram  centrais  para  o  modo de vida dos nômades. Não existia nenhum sistema legal fora da tribo.
 Se  um  indivíduo  transgredisse  as leis e os costumes desta, era  expulso como fora-da-lei.
A tribo era unida pelos laços de sangue. Se um de seus mem- bros fosse assassinado, a linhagem da tribo sofria. Essa perda tinha de ser compensada por uma vingança, prática bastante difundida, que resultou em diversas rixas sangrentas entre as tribos beduínas.
Na época de Maomé, em muitos lugares a transição da socieda- de beduína nômade para uma sociedade urbana  mais  fixa  ia  causando a extinção da religião tradicional. Em decorrência disso, aumentou  a  influência  das  duas  grandes  religiões,  o  judaísmo  e  o cristianismo.               Maomé foi particularmente       influenciado      pelo monoteísmo  e  pela  noção  de  fim  do  mundo acompanhado do Juízo Final.
 Os  judeus se  estabeleceram em  toda a  Arábia depois da queda de   Jerusalém  e   da   destruição  do   Templo,  no   ano  70   d.C,  e aos poucos passaram a adotar a língua e o estilo de vida árabes, ao mesmo tempo que mantinham sua própria crença e seu culto mosaico.
Também o cristianismo se espalhou rapidamente por todo o Oriente  Médio  durante  os  primeiros  séculos  da  nossa  era.  Havia Estados   cristãos   como   a   Abissínia   (atual   Etiópia).   Muitas   tribos beduínas  se  converteram  ao  cristianismo,  e  era  possível  encontrar cristãos entre os escravos e as camadas inferiores em Meca.
Provavelmente foram os  monges e  eremitas cristãos,  os  quais viviam  isolados  do  mundo  no  deserto  da  Arábia,  que  exerceram  a maior influência sobre Maomé. A atitude do Corão para com esses cristãos, que estimavam mais a comunhão com Deus do que o  comércio, é uma atitude positiva. Devotos e generosos, eles ajudavam os viajantes no deserto.
É necessário que compreendamos o panorama religioso extremamente complexo da Arábia para podermos apreciar o crescimento do islã.

DEUS SE REVELA A MAOMÉ
Todo     ano,       Maomé               se           retirava                para       uma       caverna               numa montanha dos arredores de Meca, onde meditava. Esse também era o hábito dos monges e eremitas cristãos, que,  diferentemente  de Maomé, fundamentavam suas meditações em algum  texto  ou passagem selecionada, em geral dos evangelhos. Ao completar  quarenta anos, Maomé teve uma revelação na caverna.  O  anjo  Gabriel de repente lhe apareceu com um pergaminho e ordenou a ele que o lesse. Maomé respondeu que não sabia ler, e o anjo disse:
Recita em nome do teu Senhor, que criou, criou o homem a partir [de coágulos de sangue.
Recital Teu senhor é o Mais Generoso, que pela pena ensinou ao [homem o que ele não sabia.
Em árabe, a palavra recitar tem a mesma raiz que Curan, que significa    "ler",   ou    "ler   alto".   O    Corão   é    o    livro   sagrado dos muçulmanos  e  reúne as revelações de Maomé. Assim, os  muçulmanos, do mesmo modo que os judeus e os cristãos, passaram a ter um texto sagrado. O Corão só foi escrito depois da morte de Maomé. Seus 114 capítulos (suras) foram arranjados de maneira tal que os mais longos vêm primeiro, mesmo os que Maomé recebeu numa data posterior aos mais curtos. A exceção é a sura 1, no início do Corão.

DE MECA A MEDINA
Depois de sua revelação, Maomé começou a pregar em Meca.  Ele se proclamou profeta ou mensageiro de Deus, o que foi visto pelas famílias poderosas de Meca como uma tentativa de usurpar a autoridade política da cidade. Grupos importantes também se opuseram a suas afirmações de que Alá era o  único  e  verdadeiro  Deus. Se fossem jogar fora todos os velhos deuses e deusas que seus antepassados adoraram, estariam reconhecendo que estes tinham sido pagãos.
A oposição a Maomé cresceu. Após a morte de seu tio e de sua esposa, as coisas pioraram cada vez mais para o profeta e seus seguidores em Meca. Nesse ínterim, Maomé havia atraído outros seguidores na cidade de Medina, os quais estavam prontos para aceitá-lo como um dos seus. Assim, em 622, ele saiu de Meca em segredo e alguns  dias  depois chegou a Medina, onde seus seguidores já o esperavam.
A emigração de Maomé é conhecida em árabe como a Hijra (Hégira), que significa "rompimento" ou "partida". Maomé  rompeu com a própria comunidade, os parentes e sua cidade natal. Não se tratou de uma fuga, mas o fato foi comparado à história bíblica de Abraão que, atendendo à ordem de Deus, deixou seu lar em Ur, na Mesopotâmia.

MAOMÉ COMO LÍDER RELIGIOSO E POLÍTICO
Em Medina, Maomé logo se tornou um líder religioso e político. Assaltando as caravanas que pertenciam às famílias  de  Meca,  conseguiu se firmar financeiramente. Essas atividades faziam parte de sua luta para obter o controle da cidade de Meca, com seu acesso à relíquia sagrada da Caaba, e também para difundir a nova religião. O nome dado a essa batalha, ou luta — jihad —, é o  mesmo  que  mais tarde foi empregado para designar a guerra santa. A luta pela causa de Alá ganha precedência sobre todos os outros interesses, bem como sobre as tradições e os conceitos morais e religiosos herdados do passado.
Na década seguinte, Maomé tomou a cidade de Meca e, por meios militares e diplomáticos, subjugou grande parte da Arábia. Antes de morrer, em 632, ele tinha conseguido unir o país e transformá-lo num só domínio, onde a religião se tornara mais importante que os antigos laços familiares e tribais.

O CISMA NO ISLÃ APÓS MAOMÉ
Quando Maomé morreu, os muçulmanos passaram a ser liderados por califas, ou sucessores. Os três primeiros califas eram parentes do profeta ou estavam entre os primeiros convertidos. O quarto califa, que se chamava Ali, era filho do tio de  Maomé,  Abu Talib, e portanto seu primo. Mas Ali era também genro de Maomé, casado com sua filha, Fátima.
O cisma no mundo islâmico começou na época de Ali. Sua liderança foi repleta de controvérsias, e ele acabou assassinado pelos adversários. Desde a morte de Maomé, seus  seguidores  acreditavam que Ali, por ser o parente mais próximo do profeta, era o sucessor natural. O  partido de Ali, ou Shiat Ali, formou a base para o ramo do  islã que hoje é conhecido como Shia, adotado como a religião oficial do Irã.
Assim, a principal dissidência no islã não foi causada por uma divisão ideológica, mas por um desacordo sobre quem devia ser o líder. A facção xiita (Shiat Ali) acreditava que o líder devia ser um descendente direto do profeta, ao passo que a facção maior, a sunita, julgava que a liderança cabia ao indivíduo que de fato controlava o poder.
Após a morte de Ali, o califado teve sede em Damasco por algum tempo e a seguir instalou-se em Bagdá, onde permaneceu por um período de quinhentos anos. Depois  disso,  a  liderança  passou para o sultão turco de Istambul. O último sultão foi derrubado  em 1924, e desde então o mundo islâmico deixou de ter um califa como líder.
A DIFUSÃO DO ISLÃ
Não obstante o cisma, o islã se espalhou rapidamente. No século seguinte à morte de Maomé, as duas grandes potências da época, o Império persa e o  Império bizantino, entraram em  declínio. O vácuo foi preenchido pelos conquistadores  árabes,  que  tinham  uma nova religião pela qual lutar. Partindo do Norte da África, eles atravessaram o estreito de Gibraltar, entraram na Europa e chegaram até Poitiers, na França, onde foram detidos. Durante vários séculos os árabes dominaram a metade sul da península Ibérica, a  Andaluzia,  onde ainda se encontram vestígios da cultura árabe.
Apesar do colonialismo europeu do século XIX, até hoje o islã predomina no Norte da África, de onde se espalhou por vastas áreas da África Oriental e Ocidental.
Logo que se iniciou, o  islã avançou para o  Oriente, em  direção à Índia e à Indonésia. Quando a Índia, antiga colônia britânica, conquistou sua independência, temendo a explosão de uma guerra entre hindus e muçulmanos, estabeleceu dois Estados separados: a Índia,  com  maioria  hindu,  e  o  Paquistão, com maioria muçulmana. O Paquistão  Oriental  depois  se  tornou  independente,  com  o  nome  de Bangladesh.
Atualmente o grande movimento pan-islâmico se divide em Estados-nações que lutam por uma maior unidade muçulmana internacional, mas também competem entre si pela liderança.
Nos últimos anos os países europeus receberam um grande número de imigrantes muçulmanos vindos da África e da Ásia, o que levou o islã a se tornar a segunda maior religião da Europa de hoje.

0 credo
O credo do islã está resumido nesta curta declaração de fé: "Não há Deus senão Alá, e Maomé é seu Profeta". Esses dois pontos constituem o  núcleo da  doutrina islâmica:   o monoteísmo e a revelação por intermédio de Maomé.
MONOTEÍSMO
Sobre o nome do Deus muçulmano, Alá, é importante observar que não se trata de um nome pessoal, e sim da palavra árabe que significa "Deus". Os judeus e os árabes cristãos    a  haviam  empregado antes de Maomé. Ela também designava um deus que habitava o céu e que era adorado na antiga Arábia.
A palavra árabe Alá se relaciona etimologicamente com a pa- lavra hebraica El, que é usada na Bíblia para nomear o Deus dos hebreus. Maomé atacou com veemência o politeísmo dos árabes. Ele res saltou,  assim  como  fizeram  os  judeus  e  os  cristãos,  a  crença  num só Deus, que é criador e juiz. Esse Deus criou o mundo e tudo o que nele há,  e  no  último  dia  irá  trazer  todos  os  mortos  de  volta  à  vida para julgá-los.
O islã não proíbe que se desfrute a vida na terra, mas lembra que se deve ter sempre em mente o fato de que esta não passa de uma preparação para a vida que começará depois do  julgamento  divino.  Essa outra vida — seja no céu ou no inferno — é descrita em detalhes   no Corão, mas há discordâncias quanto a sua interpretação, que pode ser literal ou metafórica.
A crença num julgamento final após a morte — tão significativa nas pregações de Maomé — é necessária,  segundo  muitos muçulmanos, para que o homem assuma  a  responsabilidade  sobre  seus atos. A ideia de um julgamento cria um senso  moral  de  dever que é relevante para a comunidade.
No entanto, Deus não é apenas um juiz  onipotente;  além  disso, é repleto de amor e compaixão. Todas as suras do Corão começam com as palavras: "Em nome de Alá, o Misericordioso, o Compassivo". Embora Deus seja aquele a quem todos devem se submeter, também é o que perdoa e auxilia o homem.
Uma expressão islâmica corrente, que é sempre repetida no chamado às preces, é "Alá hu Akbar": "Deus é o maior", ou "Deus é maior". Entre outras coisas, isso significa que Deus é maior do que qualquer coisa que possamos compreender. Ele não pode ser comparado com as pretensões humanas. Não pode ser assemelhado a nada, e não há ninguém que seja seu igual.
O homem não merece nada de Deus, não pode invocar direitos sobre nada. A salvação e a fé brotam somente da graça de Deus, e são coisas que os seres humanos podem apenas ter  esperança  de  conseguir.O fato de que Deus é maior também implica que ele ultrapassa todas as concepções dos mortais. Este é o argumento utilizado pelos muçulmanos para explicar aparentes contradições no Corão.

REVELAÇÃO
Deus falou ao homem por intermédio de seu profeta Maomé, o último de uma linha de profetas que ele  enviou  à  humanidade:  Adão,   Abraão,   Moisés,   Davi   e   Jesus.   Originalmente,   Maomé   se considerava  parte  da  comunidade  judaico-cristã.  Aos  poucos  ele  se distanciou tanto dos judeus como dos cristãos. Logo de  início  os judeus apontaram que Maomé cometera erros em sua reinterpretação das narrativas do Antigo Testamento. Maomé não aceitou a acusação: as revelações que recebia eram a Palavra de Deus; assim, os judeus é que deviam ter distorcido o significado de suas escrituras sagradas.
A fim de criar um fundamento histórico para sua nova religião, Maomé se reportou a Abraão e seu filho Ismael, antepassado dos árabes. Ensinou que Abraão e Ismael tinham reconstruído a sagrada Caaba, que fora erigida por Adão mas destruída  pelo  dilúvio  na  época de Noé. Segundo Maomé, os judeus, os cristãos e os politeístas haviam corrompido o monoteísmo original de Abraão.
Quando chegou a Medina — onde havia  uma  grande população judaica —,  Maomé  ensinou que  se  deve  orar  com  o  rosto voltado  na   direção  de   Jerusalém.  Depois  do   rompimento  com   os
 judeus, ficou decidido que o fiel deve se virar de frente para Meca. E    a sexta-feira foi designada como o dia festivo da semana em vez do sábado, que é o Shabat judaico. O ataque mais severo de Maomé contra o cristianismo se dirigiu à Trindade, que, segundo ele, é uma quebra do monoteísmo puro.
O Corão islâmico é, literalmente, a Palavra de Deus. Pode-se ilustrar melhor essa idéia fazendo uma comparação com  o  cristianismo.
O cristianismo ensina: "E o Verbo se fez carne, e  habitou  entre nós"  (João  1,14).  Jesus  é  a revelação.  No islamismo,  Maomé   é  apenas   um   intermediário,   pois   a   verdadeira   revelação   ocorre no próprio  Corão.  No  cristianismo  a  Palavra  de  Deus  se  tornou  uma pessoa;  no  islamismo,  um  livro.  Portanto,  não  é  correto  comparar Jesus com Maomé e a Bíblia com o Corão. Seria  mais  apropriado dizer que existe um paralelo entre Jesus e o Corão.
Outra diferença importante entre a Bíblia e o Corão é que a Bíblia é um texto histórico, ao passo que o Corão é "inchado" e existe para sempre.

Obrigações religiosas — os cinco pilares
As obrigações religiosas dos muçulmanos são consideradas "os cinco pilares":
*             o credo;
*             a oração;
*             a caridade;
*             o jejum, e
*             a peregrinação a Meca.

1.            CREDO
"Não há outro Deus senão Alá, e Maomé é seu Profeta." Esse credo é repetido pelos fiéis várias vezes todos os dias e proclamado do alto dos minaretes nas horas de oração. Esse ato  de    se  encontra  nas paredes das mesquitas. E a primeira coisa que se deve sussurrar ao ouvido da criança recém-nascida e a última a se murmurar no ouvido dos moribundos. O ato de fé é o ponto-chave da religião islâmica.
2.            ORAÇÃO
O islã requer que o fiel diga suas preces cinco vezes por dia. Antes de cada um dos cinco horários fixos para a oração, ouve-se o chamado à reza vindo dos minaretes, que são  as  torres  das  mesquitas. Antigamente um homem denominado muezim fazia o chamado; hoje, porém, em geral é uma fita gravada que repete as conhecidas palavras:
Alá é Grande, não há outro Deus senão Alá e Maomé é seu profeta. Vinde para a oração, vinde para a salvação, Alá é Grande, não há outro Deus senão Alá.
Antes da oração o fiel deve estar ritualmente limpo. Os muçulmanos crêem que as pessoas se tornam impuras em  razão  de suas funções corporais — inclusive atos sexuais — e, portanto, devem passar por uma purificação. Isso significa lavar o  corpo  inteiro  em  água corrente. Em outras ocasiões, basta lavar as mãos e o rosto. Não é raro que haja banhos especiais próximos às mesquitas. Tais regras levaram a um alto padrão de higiene nos países árabes, já desde os tempos antigos (veja as suras 4:46 e 5:8-9).
A maioria das orações islâmicas são fórmulas fixas, um ritual que exige palavras e gestos bem definidos. Embora exista também a oração espontânea, na qual o fiel pode se dirigir a Deus para falar de algo pessoal, a oração ritual deve ser dita em primeiro lugar. Ela consiste sobretudo em louvores a Deus. Uma oração constantemente repetida é a sura 1 — o Exórdio:
Louvado seja Deus, Senhor do Universo,
O Caridoso, o Compassivo, Soberano do Dia do Juízo!
Só a Ti adoramos, e só a Ti recorremos em busca de ajuda. Guia-nos pelo caminho direito,
O caminho daqueles a quem Tu favoreceste, Não daqueles que incorreram na Tua ira, Não daqueles que se desviaram.
As cinco orações diárias podem ser ditas em qualquer lugar. A maioria das pessoas possui um  tapetinho  ou  uma  esteira  especial  onde se ajoelham e rezam, e seus gestos são sempre dirigidos  para  Meca. Os gestos têm tanto valor quanto as palavras; eles enfatizam a submissão do homem — a palavra islã significa isso, "submissão" — e mostram que o corpo e a alma são igualmente importantes.
 Sempre que possível, o fiel deve participar das orações da congregação pelo menos uma vez por semana, de preferência numa mesquita. Isso é especialmente relevante nas orações de sexta-feira ao meio-dia, quando o serviço inclui um sermão. "Fiéis, quando fordes chamados para as orações de sexta-feira, apressai-vos a vos lembrar de Deus e cessai vosso comércio" (62:9).
Os que comparecem à mesquita devem estar respeitosamente vestidos, tirar os sapatos antes de entrar  e  acompanhar  os  movimentos de quem preside as orações de maneira ordenada e disciplinada. O líder das orações também fica de frente para Meca, isto é, de costas para a congregação.
Normalmente são só os homens que  oram no  salão principal  da mesquita. As mulheres  ficam  numa  galeria,  ou  escondidas  atrás de uma cortina bem no fundo.
Qualquer homem adulto muçulmano pode ser um  dirigente  das preces, um imã. Não há sacerdócio organizado no islã. Entretanto, em geral o dirigente das orações e responsável pelos sermões tem uma boa educação teológica e é funcionário da mesquita.

3.            CARIDADE
A caridade é, na verdade, uma taxa ou um imposto  formal  sobre a riqueza e a propriedade. Está fixada em 1/40, ou seja, 2,5%,  mas as pessoas são incentivadas a dar mais. De acordo com Maomé, essa taxa deve ser tirada dos ricos e dada aos pobres. "Devem-se dar esmolas apenas aos pobres e  destituídos;  àqueles  que  se  empenham na administração das esmolas  e  àqueles  cujos  corações  são simpáticos à Fé; para a libertação dos escravos e dos devedores; para    o avanço da causa de Deus; e para o viajante em necessidade."
"Caridade" não é uma tradução plena da  palavra  árabe,  pois ela é mais do que um presente. É um dever para o muçulmano, um  dever dado por Deus, como diz o Corão.
Quando essa taxa  é  recolhida e  destinada a  usos  sociais, ela  se torna parte da política oficial de redistribuição de um Estado islâmico. O objetivo é diminuir as desigualdades entre ricos e pobres, sem interferir no princípio da propriedade privada. O dever de dar esmolas também influenciou o desenvolvimento do socialismo islâmico em alguns países.
4.            JEJUM
O Corão proíbe os muçulmanos de comer porco, por ser um animal impuro. Proíbe também o álcool. Afora isso, o islã não prega o ascetismo de qualquer espécie. Ao contrário, o Corão diz: "Deus deseja   o vosso bem-estar, não o vosso desconforto". A grande exceção é o jejum durante o Ramadan, o nono mês do ano lunar. Entre o  nascer  do sol e o pôr-do-sol é proibido comer, beber, fumar ou ter relações sexuais. Os viajantes, os doentes, as crianças  e  as  mulheres  grávidas ou que estão amamentando são exortados a cumprir o  jejum  numa data posterior.
A noite essas proibições são suspensas; assim, em diversos lugares a vida noturna é animada e há  boa  comida  e  bebida, enquanto muitos fiéis se reúnem nas mesquitas para passar a noite ouvindo o Corão. Ramadan, o mês de jejum, foi o mês em que Maomé teve sua primeira revelação. O jejum simboliza o retiro que cada muçulmano deveria fazer, como fez Maomé.

5.            PEREGRINAÇÃO A MECA
Todo muçulmano adulto que dispõe de meios para realizar uma peregrinação a Meca, deve fazê-lo pelo menos uma vez na vida. Ali se encontra o  santuário sagrado mais antigo do  islã, a  Caaba.  Trata-se  de um edifício quadrado coberto por um pano negro. Num canto da Caaba fica uma pedra negra incrustada na  parede;  essa  pedra  tem  um enorme significado simbólico.
Para os muçulmanos, Meca e a Caaba são o centro do mundo. Não só os fiéis se voltam para Meca quando oram; também  as mesquitas são construídas com o eixo mais longo apontando para lá.    Os mortos são enterrados voltados para Meca, e a cidade é o destino  das peregrinações.
 Meca é visitada todos os anos por cerca de 1,5 milhão de pere- grinos, metade dos quais vem de fora da Arábia. O número de peregrinos aumentou de maneira extraordinária depois que se organizaram os vôos charter para lá. A grande mesquita de Meca foi completamente reconstruída e hoje pode abrigar 600 mil pessoas. Só os que podem provar que são muçulmanos recebem visto para entrar  na cidade santa.
Quando os peregrinos se aproximam de Meca, passam a usar vestes brancas. Nos dias que se seguem eles irão realizar uma série de ritos, dentro e fora da cidade. A maioria desses rituais enfatiza sua ligação com Abraão ou Maomé, pois ambos mostraram obediência a Deus. O primeiro rito consiste em caminhar em torno da Caaba sete vezes, e muitos tentam beijar a pedra negra. Diz a tradição que essa construção foi erigida por Abraão e Ismael, filho de Abraão com sua escrava Agar.
Outro momento importante é quando os peregrinos se postam no monte Arafat, desde o meio-dia até o pôr-do-sol, sem permissão para proteger a cabeça do calor intenso. Foi no  monte  Arafat  que  Adão e Eva se encontraram de novo, depois que foram expulsos do jardim do Éden. Os peregrinos passam várias horas ali juntos, afirmando assim seu pacto com Deus e sua crença de  que  não    outro Deus.
O clímax vem com o festival dos sacrifícios. Os peregrinos ma- tam um animal (um carneiro, bode, camelo, boi etc). Esse sacrifício serve para lembrar aos muçulmanos que Abraão foi tão obediente a Deus que se dispôs a sacrificar seu próprio filho (embora no  islã o  filho seja chamado de Ismael, e não de Isaac como nos Livros de Moisés). Deus, porém, foi misericordioso e lhe enviou um animal para que ele o sacrificasse em lugar do filho. Aqui se revela claramente o cerne religioso da peregrinação: a obediência à vontade de Deus.
 Relações humanas — ética e política
Tradicionalmente, no islã não há distinção entre a religião e a política, tampouco entre a fé e a moral. Todas  as  obrigações  religiosas, morais e sociais do homem estão estabelecidas na sagrada  lei muçulmana, a xariá.
Xariá significa "caminho para o oásis", ou seja, o caminho correto para a conduta humana, que foi  mostrado  por  Deus  ao homem. A lei sagrada se expressa sobretudo no Corão, que é muito mais que um texto religioso. Trata-se de um livro de leis que contém instruções fixas e rígidas sobre o governo da sociedade, a economia, o casamento, a moral, o status da mulher etc.
Quando o Corão não dá instruções definitivas, os muçulmanos se voltam para a suna. Eles estudam os exemplos dados por Maomé e pelos califas. Relatos sobre a vida de Maomé e suas pregações foram escritos em coletâneas chamadas hadith, durante os primeiros séculos após a morte do profeta.
Tanto o Corão como as narrativas hadith se referem a um tipo de sociedade que hoje em dia praticamente não existe mais. Portanto, interpretar e adaptar as regras da escritura e da tradição é uma tarefa considerável. Ela pode ser realizada segundo dois princípios diferentes,  o da similaridade e o do consenso.
Princípio da similaridade ou analogia. Para solucionar um problema totalmente novo, encontra-se um exemplo semelhante (ou análogo) no Corão, ou um precedente, e se estuda a base para uma decisão.
Princípio do consenso. Diz-se que Maomé afirmou que os fiéis nunca poderiam concordar coletivamente acerca de algo que estivesse errado. Assim, uma decisão que os fiéis tomam em comum pode ser vista como lei por seus representantes, os  especialistas  legais. Um exemplo ocorreu quando os líderes religiosos resolveram proibir o café. A decisão foi recebida com protestos tão veementes pelas pessoas comuns que os líderes concordaram em anular a proibição.

O movimento xiita utiliza um terceiro princípio, relacionado com seus conceitos sobre a revelação. Os sunitas afirmam que a revelação vem apenas uma vez, em sua forma final. Porém, para  os xiitas ela pode ser contínua, por intermédio de seus líderes, os imãs. Isso implica que é possível dar novas interpretações da lei, baseadas   na "compreensão pessoal" do imã.

Tradição e reforma
Maomé e os primeiros califas eram tanto líderes políticos como religiosos. Tinham a capacidade de usar o Corão como guia em todas   as áreas da vida social, sem muita dificuldade.
Em épocas mais recentes, os encontros com a cultura e a economia do Ocidente ocasionaram certas mudanças. No século XIX a Turquia lançou uma série de reformas legais destinadas a facilitar a cooperação com a Europa Ocidental e a dar mais segurança legal aos não-muçulmanos que residem dentro de suas fronteiras. O resultado foi  a  emergência de um sistema legal com dois níveis: a lei sagrada, que se aplica sobretudo aos assuntos particulares, e o direito público, que é secular.
Essa dualidade ficou ainda mais pronunciada em alguns dos novos Estados nacionais que foram surgindo, muitas  vezes  com  líderes influenciados pelos ideais ocidentais.
Além do direito público, fundamentado em princípios legais gerais, muitos países possuem um direito privado, que  é  da competência de tribunais religiosos especiais. Ele se aplica particularmente aos assuntos de família e de herança. Ao  mesmo  tempo, há uma pressão cada vez maior para que os  princípios  islâmicos sejam a base do direito público, como, por exemplo, da  justiça criminal. Em 1972 a Líbia introduziu  uma  lei  de  justiça criminal apoiada na xariá. Ela inclui, por exemplo, a proibição  de  servir e beber álcool. A punição para os  ladrões  é  a  amputação  da mão direita.
 No Paquistão e no Irã, os levantes políticos da década de 1970 intensificaram o domínio do islã sobre a vida social.
Todavia, tornou-se óbvio, mesmo na Arábia Saudita, onde a xariá é universal, que é difícil ser totalmente coerente. Há diversas  áreas, sobretudo a econômica, onde a xariá não é praticada.
A Turquia é uma exceção no mundo islâmico. Depois que  o califa foi deposto, Mustafá Kemal "Ataturk" construiu com seu povo um Estado moderno em linhas ocidentais, onde o Estado e  a  religião  foram devidamente separados. Em 1926 a xariá foi substituída nesse país por um código civil que julga as pessoas segundo uma lei comum, independentemente de religião.

Economia
O Corão tem uma visão favorável da atividade econômica. Menciona em particular o comércio, que era a principal fonte de subsistência em Meca, cidade de trânsito na época de  Maomé.  O  Corão não questiona o direito à propriedade privada, mas há arranjos especiais que impõem certas limitações à riqueza e à propriedade. A mais importante é a proibição dos juros, proibição que não é aplicada   de modo uniforme, em particular na área das finanças internacionais.    A obrigação religiosa de dar esmolas passou a ser, na prática, uma taxa ou um imposto sobre a propriedade.
Em vários trechos o Corão alerta que as riquezas  se  tornam uma tentação que afasta as pessoas de Deus.
O pensamento social em que até certo ponto se baseia a idéia de caridade afirma que os ricos devem dar aos pobres. Os políticos de mentalidade reformista transformaram esse princípio numa política econômica de cunho socialista. Na maioria dos países árabes impera o mercado livre na economia.
 As mulheres no islã

Duas citações do Corão demonstram como  este  pode  ser  usado para fundamentar duas visões bem diferentes do papel da mulher: "Os homens têm autoridade sobre as  mulheres  porque  Deus os fez superiores a elas" (sura 4:31). "As mulheres devem, por justiça,  ter direitos semelhantes àqueles exercidos contra elas" (sura 2:228).
O contraste no tratamento de homens e mulheres é visível nu- ma série de áreas da vida social, sobretudo nas leis relativas ao casamento. Mas, como muitos estudiosos islâmicos já indicaram, há também uma série de leis que protegem as mulheres dentro do casamento. Quando o contrato de casamento é assinado, o  marido paga um dote que permanece propriedade da esposa e não pode ser usado sem o consentimento dela.
A mulher só pode ter um marido, ao passo que os  homens  podem ter até quatro esposas. A poligamia para os  homens  não  era rara no Oriente Médio na época de Maomé. A exigência deste de  que um homem não deve tomar mais esposas do que pode sustentar teve muitos efeitos positivos em sua época. Hoje, a poligamia é proibida na Turquia e na Tunísia.
O divórcio é possível, mas apenas quando iniciado pelo marido, que é responsável pelo lado financeiro do casamento. Há regras e condições abrangentes destinadas a evitar o  excesso  de  facilidades  para  o  divórcio,  o  qual,  segundo  Maomé,  é  "a  atividade  legal menos preferida por Deus". O índice de divórcios nos países árabes é o mais alto do mundo.
O marido também tem o direito de punir fisicamente a esposa se ela for desobediente. "Quanto àquelas de quem  temes desobediência, deves admoestá-las, enviá-las a uma cama separada e bater nelas", diz a sura 4.
Diferentemente da circuncisão para os homens, a excisão do clitóris (mutilação genital feminina) não é obrigatória para as mulheres; tampouco se menciona tal mutilação no Corão. Mesmo assim, ela é praticada com freqüência no Norte da África. Nos anos recentes, porém, vem encontrando forte oposição por causa de seus efeitos negativos sobre a vida sexual da mulher.
Nem mesmo a tradição de usar véu, ou chador, deriva do Corão, mas ela se difundiu por amplas áreas geográficas, independentemente da religião. Em sua origem, tal  moda  se  limitava  às  classes superiores, não tendo penetração na sociedade agrícola, onde as mulheres deviam trabalhar no campo. A luta contra o véu vem sendo uma questão predominante na modernização de  muitas  nações  árabes; entretanto, o reavivamento islâmico  dos  anos  recentes também fortaleceu o apoio ao véu.
A filosofia no islã
O islã se espalhou pela Ásia e pela África, mas foi a conquista  da Espanha  que mais afetou  a história  europeia.  Entre  os séculos VIII e XV, os árabes dominaram a parte sul da Espanha. Eles romperam com   o  califa  de  Bagdá  e  estabeleceram  seu  próprio  califado  em Córdoba.
 Essa  cidade  se  tornou  um  centro  cultural  que   atraía  estudiosos  de todo o  mundo muçulmano, e demonstrava grande  tolerância para com os judeus e os cristãos. A cultura hispano-moura passaria a  exercer forte influência na Europa, não só na arquitetura e na literatura, mas também  na  filosofia.  Foi  graças aos filósofos árabes do Sul da Espanha que a Igreja católica descobriu  Aristóteles,  filósofo  clássico  da   Grécia que  haveria de  desempenhar um  papel  considerável na  formação do pensamento católico durante a Idade Média.

AVERRÓIS DE CÓRDOBA
O maior dos filósofos de Córdoba foi Ibn Ruchd, ou Averróis (1126-98). Ele acreditava que era seu dever defender a filosofia e a ciência, numa época em que forças poderosas dentro do islã desejavam  impedir todo pensamento independente. Averróis foi um muçulmano devoto  que   aceitava  a   autoridade   de   Maomé  e   não questionava  a veracidade  do  Corão.  Acreditava,  no  entanto,  que  as  afirmações do Corão podiam ser interpretadas de várias maneiras. O Corão é escrito para todas as pessoas, tanto cultas  como  ignorantes,  e  portanto  utiliza um estilo alegórico bem específico. Os que não têm instrução precisam imaginar Deus sob uma forma humana e o paraíso como um lugar    de    confortos    materiais.    Contudo,    comentava    Averróis,  os indivíduos mais esclarecidos percebem que esses conceitos são apenas símbolos que carregam um significado espiritual.
Averróis desejava combinar a religião com o pensamento filosófico e científico, mas a oposição a esse ponto de vista não parou de crescer. Nos séculos que se seguiram à morte  de  Averróis,  os  estudiosos muçulmanos se concentraram no estudo das escrituras e  da tradição. No século XX, porém, novas ideias de reforma e liberalização vêm sendo debatidas, e muitos muçulmanos têm tentado adaptar sua religião às condições atuais e à ciência moderna.

O SUFISMO — O MISTICISMO DO ISLÃ
Os primeiros séculos da história do islã foram dominados pelas atividades externas, pela guerra e pela diplomacia. Entretanto, logo surgiu um movimento que incentivava  a  reclusão  e  a  meditação. Essa tendência recebeu o nome de sufismo, provavelmente em virtude das vestes  de lã usadas por seus seguidores (a palavra árabe para "lã"   é suf).
Os ideais do islã podem não incluir o ascetismo, mas apelam para que se adote uma atitude séria em relação ao Juízo Final, num estilo de vida simples e responsável. Por isso muitos muçulmanos se indignaram com a vida luxuosa que passara a reinar na corte do califa  de Bagdá. Eles desejavam levar uma vida puritana, de jejum, oração e meditação.
Ao mesmo tempo, o conceito divino ia se alterando. Os sufis acreditavam que Deus era, acima de tudo, um Deus  amoroso  com  quem o homem podia alcançar uma união mística. Esse pensamento parecia contrastar substancialmente com a ideia de Deus como o juiz exaltado, inacessível, a quem o homem deve se submeter. Em consequência, os primeiros místicos logo entraram em conflito com a corrente principal do islã. Em certos casos foram acusados  de blasfêmia por causa de seu conceito de Deus. Um dos místicos que mais se destacaram foi executado. Tratava-se de Halladj,  que acreditava que Deus passara a morar dentro dele, e  que,  portanto, havia total unidade e harmonia entre Deus e ele. Para os sufis, Jesus  era tão importante como Maomé, e muitas  palavras  atribuídas  a Maomé lembram palavras de Jesus registradas nos evangelhos, como, por exemplo: "Eu sou a verdade", "Quem me vir, verá a Ele", e também, quando foi crucificado: "Perdoai-os, Senhor, tende piedade deles". Em suma, no início do sufismo Jesus representou um papel importante como ideal ascético.
Um século e meio depois de  Halladj, Ghazali tentou combinar a devoção do sufismo com os dogmas da corrente principal do islã. Ghazali foi um dos maiores pensadores do mundo. Nem o estudo da filosofia, nem o da lei o satisfizeram. Após uma longa busca, ele tomou   o caminho do misticismo, onde todos os desejos e todas as  preocupações são afastadas para que o pensamento  possa  se  concentrar em Deus. A conclusão de Ghazali foi  que  a  verdade  mística, real e última não pode ser aprendida, mas deve ser experimentada por meio do êxtase.
Em seu cerne, o misticismo sufi tem  características  comuns  com o misticismo de outras religiões. O sufismo também usa  exercícios especiais de meditação, como, por exemplo, uma oração ou uma palavra que é repetida continuamente, por  vezes  acompanhada de determinados movimentos ou exercícios  de  respiração.  Trata-se de uma técnica para entrar em transe. Um auxílio usual é  o  rosário   e a repetição dos "99 mais belos nomes de Deus".
O sufismo não é uma tendência organizada. Encontram-se sufistas tanto entre os muçulmanos xiitas como entre os sunitas.

Cristianismo
O cristianismo é a filosofia de vida que mais fortemente caracteriza a sociedade ocidental. Há 2 mil anos permeia a história, a literatura, a filosofia, a arte e a  arquitetura  da  Europa.  Assim,  conhecer o cristianismo é pré-requisito para compreender a sociedade  e a cultura em que vivemos.
A Bíblia é o livro mais lido do mundo, hoje e em toda a história humana. Nenhum outro livro teve maior influência literária. Até mesmo escritores não cristãos reconheceram a Bíblia  como  sua  fonte de inspiração mais importante.

DEUS, O CRIADOR
No princípio, Deus criou o céu e a terra.
Gênesis 1,1
A primeira ação descrita na Bíblia é a criação do céu e da terra por Deus. "O céu e a terra" é a expressão hebraica para "universo". A criação é descrita de duas maneiras diferentes no Gênesis, capítulos 1 e 2:
VERSÃO A
No princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a  terra estava  vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava sobre as águas.
Deus disse: "Haja luz" e houve luz. Deus viu  que  a  luz  era  boa, e Deus separou a luz e as trevas. Deus chamou à luz "dia" e às trevas "noite". Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia.
Deus disse: "Haja um firmamento no meio das águas e que ele separe as águas das águas", e assim se fez. Deus fez o firmamento, que separou as águas que estão sob o firmamento das águas que  estão  acima do firmamento, e Deus chamou ao firmamento "céu". Houve uma tarde e uma manhã: segundo dia.
Deus disse: "Que as águas que estão sob o céu se reúnam numa só massa e que apareça o continente", e assim se fez. Deus chamou ao continente "terra" e à massa das águas "mares", e Deus viu que isso era bom. [Gênesis 1,1-10]
VERSÃO B
Essa é a história do céu e da terra, quando foram criados.
No tempo em que Iahweh Deus fez a terra e o céu, não havia ainda nenhum arbusto dos campos sobre a terra e nenhuma erva dos campos tinha ainda crescido, porque Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem para cultivar o solo. Entretanto, um manancial subia da terra  e  regava  toda  a  superfície do solo. [Gênesis 2,4-6]
Se compararmos essas duas versões da criação, fica imediatamente óbvio que há água demais na primeira e  água  de  menos na segunda. Talvez o autor da história A tenha  vivido  numa área constantemente sujeita a inundações, por exemplo, a Mesopotâmia, a terra entre os rios Tigre e Eufrates. Já o autor da história B pode ter vivido numa área de deserto. Baseando-se em suas próprias condições locais, os autores imaginaram a criação como narrada nessas duas histórias (A e B).
As duas histórias da criação: a  cosmocêntrica  e  a antropocêntrica
Essas duas  histórias  da  criação  são,  portanto, dessemelhantes, e a razão disso é que elas surgiram em  épocas diferentes e em ambientes diferentes. A primeira (Gênesis 1,1-10), que chamamos de história cosmocêntrica da criação, já que tenciona dar uma descrição sistemática de como o cosmo inteiro foi criado, chegou    a sua forma presente no século VI a.  C.  Aqui a  ênfase recai sobre o  fato de que o mundo foi criado porque Deus assim o ordenou. Foi por causa de suas palavras que tudo passou a existir. As palavras "Deus disse" são repetidas várias vezes nessa versão. O que se realça é a soberania de Deus sobre sua criação. Ele é elevado acima de todas as coisas terrenas.
A segunda história da criação (Gênesis 2,4-6) é muito mais an- tiga. Talvez tenha chegado a sua forma atual já no século X a. C., e podemos chamá-la de história da criação antropocêntrica (da palavra grega anthropos, que significa "homem"), pois se concentra na criação do homem e em sua condição no mundo.
Mitos e crenças da criação
O objetivo das histórias da criação é descrever o que aconteceu no início dos tempos, quando o céu e a  terra foram formados. Em geral  chamamos  essas  histórias  de  mitos, ou  histórias alegóricas.  Os conceitos místicos do Gênesis dependem, claramente, de uma crença em Deus. E impossível reunir todo o material místico das histórias da criação e compor uma só imagem coerente do mundo.  Na  realidade, elas oferecem fragmentos de várias imagens do mundo, muito divergentes entre si.
Um ponto importante na teologia da criação bíblica é que o mundo não existiu desde tempos imemoriais. A  palavra  hebraica para criar é bará, que significa "fazer algo existir", ou "fazer algo do nada". Quando falamos que um artista está "criando" alguma coisa, queremos dizer que está formando algo com base num material já existente.
A crença que sustenta a história bíblica da criação deriva de mitos da criação de outras culturas, nas quais o homem imaginava que  um  ou  mais  deuses haviam organizado  o  mundo  utilizando um material primordial informe. Na Bíblia, tudo o que existe deve sua origem  a   um   comando  real  de   Deus.  "Porque  ele   diz   e   a   coisa acontece, ele ordena e ela se afirma" (Salmo 33,9).

O MUNDO NÃO EXISTE POR ACASO
As           histórias              da           criação  não        oferecem           respostas            para perguntas científicas sobre como o mundo veio a  existir,  quanto  tempo isso demorou e qual era o aspecto do mundo em termos biológicos e físicos. A ênfase não está em como Deus criou o céu e a terra, mas no fato de que foi ele quem os criou. Em outras palavras, o mundo que habitamos não é resultado de um acaso ou acidente.  A Bíblia salienta que há uma vontade divina por trás da existência do universo. O mundo foi criado e  continua a existir por causa de algo fora de si mesmo. E esse algo não é uma força impessoal, mas o poder de um Deus pessoal.
Quando a ciência moderna demonstra a evolução do mundo desde o início até os dias de hoje, um cristão compreende isso como  uma descrição humana da obra de Deus como criador.  Deus  não  apenas criou algo do nada, como também deu a esse algo uma capacidade evolutiva inata. A evolução faz parte da criação. Se  voltarmos à história cosmocêntrica da criação, veremos que ela nos oferece uma imagem dinâmica:
Deus disse: "Que a terra produza seres vivos segundo sua espécie: animais domésticos, répteis e feras segundo sua espécie" e assim se fez. Deus fez as feras segundo sua espécie, os animais domésticos segundo sua espécie e todos os répteis do solo segundo sua espécie; e Deus viu que isso era bom. [Gênesis 1,24-25]

O CRIADOR DO SER HUMANO
Deus criou o homem ã sua imagem.
Gênesis 1,27
A criação do homem também é descrita de duas maneiras diferentes no primeiro e no segundo capítulo do Gênesis:

VERSÃO A
Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que ele domine sobre os peixes  do  mar,  as  aves  do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra".
Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou.
Gênesis 1,26-27
VERSÃO B
Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um  ser vivente.
Iahweh Deus disse: "Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer uma auxiliar que lhe corresponda". Iahweh Deus modelou  então, do solo, todas as feras selvagens e todas as aves do céu e as conduziu ao homem para ver como ele as chamaria: cada qual devia levar o nome que o homem lhe desse. O homem deu nomes a todos os animais, às aves do céu e a todas as feras selvagens, mas, para o homem, não encontrou a auxiliar que lhe correspondesse. Então Iahweh Deus fez cair um torpor sobre o homem, e ele dormiu. Tomou uma de suas costelas e fez crescer carne em seu lugar. Depois, da  costela que tirara do homem, Iahweh Deus modelou uma mulher e a trouxe ao homem.
Então o homem exclamou: "Esta, sim, é osso de meus ossos e carne de minha carne!
Ela será chamada 'mulher', porque foi tirada do homem!".
Por isso um homem deixa seu pai e sua mãe, se une à sua mulher, e eles se tornam uma só carne.
Ora, os dois estavam nus, o homem e sua mulher, e não se envergonhavam. [Gênesis 2,7 e 2,18-25]

Antropólogos, filósofos, cientistas e escritores, todos tiveram e têm ideias diferentes sobre a natureza do homem. E todas as religiões têm sua própria concepção da humanidade. O ponto vital para um cristão  é  que  o  homem  não  foi  criado  a  esmo,  como  se  fosse  um subproduto.   Até   mesmo   as   histórias   da   criação   enfatizam   que  a humanidade é resultado da vontade e do poder de Deus. Isso indica, para a crença cristã, o valor do indivíduo. Não estamos flutuando no espaço. A humanidade tem um pai comum em Deus, e já que cada um  de nós foi criado por ele, somos todos igualmente preciosos.
A visão cristã da humanidade
Os seguintes pontos têm importância considerável na visão cristã do ser humano:
A POSIÇÃO DE DESTAQUE DO SER HUMANO
Por um lado, as histórias da criação realçam os vínculos do homem com o restante da criação. "Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de  vida e o homem se tornou um ser vivente" (Gênesis 2,1). O  lado natural do homem também é expresso no jogo de palavras, no original hebraico, entre adam (homem) e adamá (terra). O homem é formado do mesmo material que  as plantas e os animais. Somos feitos de pó e  ao pó retornaremos. Por outro lado, o homem foi feito senhor da  criação. Pode-se dizer que o ser humano é um ser  orgânico  e,  ao  mesmo tempo, é também algo mais.

O HOMEM FOI CRIADO À IMAGEM DE DEUS
A expressão "criado à imagem de Deus" destaca a ideia de que o homem tem um lugar especial na criação. É claro que o homem tem seu lugar na ordem natural geral, mas sendo  a  última  coisa  que  Deus criou, ele tem dotes especiais e uma tarefa específica que o diferencia de todas as outras coisas criadas. Diz-se comumente que Deus criou o homem por amor — a fim de compartilhar o mundo  com ele. Pois o homem não é apenas uma coisa viva, como as outras coisas vivas. O homem é uma pessoa e um indivíduo.
A  ideia de  que  o  homem foi criado à  imagem de Deus também implica que ele foi feito para viver em harmonia com seu criador. Ele foi dotado da  capacidade de  experimentar o  sagrado   e  de  participar de atos de adoração divina.

O SER HUMANO É UM SER SOCIAL
O ser humano não foi criado  apenas  para  viver  com  Deus; nós também fomos feitos para existir em comunhão  uns  com  os outros. Tanto o Antigo como o Novo Testamento ressaltam que devemos nos amar uns aos outros assim como Deus  nos  amou.  As  duas histórias da criação, cada  uma  a  sua  maneira,  também  destacam  a   ideia  de   que   Deus  nos   criou  como  homem  e  mulher. Podemos dizer que o casamento e a família  são parte da criação. Por isso,  muitas  igrejas  cristãs  veem  o  casamento  como  uma  instituição sagrada.

O SER HUMANO TEM LIVRE-ARBÍTRIO
Outro dom do homem é distinguir entre o certo  e  o  errado. Uma das ideias fundamentais da Bíblia é que o homem é responsável por  suas  ações.  O  homem  é  capaz  de  ir  contra  a  vontade  de  Deus. Podemos  abusar   da   posição   especial  que   Deus  nos   deu.   A Bíblia chama a isso de pecado.
Expressões que tentam descrever Deus
(Aparição de nosso Senhor Jesus Cristo] que mostrará nos tempos [estabelecidos
o             Bendito e único Soberano,
o             Rei dos reis e Senhor dos senhores,
o único que possui a imortalidade,
 que habita uma luz inacessível,
que nenhum homem viu, nem pode ver. A ele, honra e poder eterno! Amém!
Primeira Epístola de Paulo a Timóteo, 6,15-16

A Bíblia descreve Deus não apenas por suas ações (como  criador e salvador), mas também com palavras que ilustram certas características principais da "imagem divina". Tais palavras são tomadas de nossa esfera imaginativa para descrever "aquilo que não é deste mundo". Para compreender essas expressões, muitas vezes precisamos nos reportar à época em que elas foram cunhadas. Por exemplo, considerando uma expressão aparentemente direta como "Deus é nosso pai", podemos ver que a interpretação deve levar em conta as condições históricas nas diferentes épocas em  que  a  Bíblia  foi escrita. O termo pai não tem absolutamente nada a ver com nossa ideia moderna dos papéis sexuais. "Pai", conforme a posição dos pais  de família naquela época, significa alguém que ama seus filhos mas que também exerce autoridade e espera deles obediência. A Bíblia está nos dizendo que o amor de Deus é ilimitado em sua  bondade  e absoluto em suas exigências.

O DEUS DO AMOR
O principal comentário da Bíblia acerca de Deus é que ele é "amor". Essa não é uma descrição de uma entre outras características  de Deus, mas uma sua qualificação geral. Tudo o que a fé cristã pode dizer a respeito de Deus são variações em torno desse grande tema. A Bíblia também destaca que é impossível para o ser humano conhecer a Deus ou amar a Deus se não nos amamos uns aos outros. Pois Deus é amor.
Todos nós sabemos que a palavra amor tem conotações distintas. Para compreender o que a Bíblia está afirmando quando diz que Deus é amor, pode ser útil saber qual o uso dessa expressão na língua original do Novo Testamento, o grego. Em grego há duas palavras que podem ser traduzidas pela palavra amor: eros e agape. Eros pode ser traduzido como "querer" ou "desejar". O filósofo grego Platão (c. 400 a. C.) usa a palavra eros ao falar do desejo que o homem tem da beleza, da excelência, do conhecimento e da eternidade. Para Platão, eros era um anseio inerente à humanidade. Ele expressa a origem elevada da alma, manifestando-se nos seres  humanos  como  uma necessidade irresistível de partir em jornada rumo à pátria  celestial. Eros é o anseio que sente o homem, esse ser transitório, pela eternidade. Podemos dizer que essa palavra descreve o amor que o homem tem pelas coisas que vale a pena amar, ou seja, pelas coisas valiosas. (Hoje em dia as palavras eros e erótico são usadas com um sentido mais restrito do que  na filosofia platônica, isto é,  no sentido  do amor sexual.)
De certa forma, a palavra agape significa quase o oposto de eros. No Novo Testamento, a palavra é usada para designar o amor misericordioso e devotado de Deus pelo ser humano. Pois o amor de Deus é espontâneo e se auto-sacrifica sem pensar se a humanidade o "merece". Ele não emana da carência, mas da abundância, e também é dado em abundância àqueles que não merecem amor nem são dignos  de amor. Nesse contexto, o amor de Deus é um modelo para a caridade cristã. Os primeiros cristãos usavam a palavra agape para  designar  suas refeições comunitárias, que terminavam numa comunhão.
Poucas passagens na Bíblia ilustram tão bem a compaixão de Deus pelo homem e seu amor repleto de perdão como a parábola do "Filho pródigo".
O DEUS ETERNO E SAGRADO
Várias passagens na Bíblia indicam que Deus existe "desde sempre e para sempre". Ele existia antes que o mundo fosse criado e permanecerá sempre o mesmo. "Deus é Deus ainda que toda a terra decaia, Deus é Deus ainda que todos os homens passem e se vão", escreveu Petter Dass num hino.
Quando Moisés perguntou o que deveria dizer quando lhe perguntassem quem o enviara ao Egito para libertar os hebreus da escravidão, Deus lhe deu esta resposta: "'Eu sou aquele que é.' Disse mais: 'Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou até vós'" (Êxodo 3,14). Em outra passagem do livro final da Bíblia cristã: "Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim" (Apocalipse 21,6).
Ambos os textos enfatizam que Deus transcende as noções comuns de tempo e espaço. Diferentemente do homem, que é sujeito à temporalidade e à morte, ele é imutável e eterno. Para usar uma expressão mais moderna, poderíamos dizer que a existência de Deus não está confinada a um estado de quatro dimensões. Ele não está  num lugar nem no outro. Ele não é uma parte do universo como as estrelas, as flores e os animais. Ele se situa acima do mundo e dos processos que aqui ocorrem — como seu criador e governante.
A Bíblia afirma que Deus, diferentemente do homem e do universo, é o Santo. E qualquer palavra que designe o sagrado,  qualquer palavra que conote a esfera divina, é uma palavra-chave em qualquer religião. Um conhecido historiador da religião, Rudolf Otto, definiu o sagrado como "o totalmente Outro" (das ganz Andere): o sagrado é algo misterioso e inexplicável, diante do qual  o  homem  treme mas pelo qual se sente atraído.

OUTRAS DEFINIÇÕES CRISTÃS DE DEUS
A Bíblia oferece outras definições de Deus: ele é pai, Senhor, todo-poderoso, onisciente, bom, misericordioso, justo e pessoal. Por trás de cada uma dessas diversas características há sempre um acontecimento, porque o Deus cristão é algo mais que um princípio filosófico. Ele é um ser pessoal que ouve as orações e os louvores do homem.  Ele  é  o  Deus  da  história,  que  guia  o  mundo  rumo  ao objetivo que ele determinou: o reino de Deus.
Não       se           pode     encontrar           na           Bíblia     nenhuma            doutrina sistemática a respeito da essência e  das  características  de  Deus. Muitos cristãos diriam que a mais importante descrição de Deus se encontra  na  pessoa  de  Jesus  Cristo  e  em  suas  pregações.  E  comum dizer que não se pode distinguir a crença cristã em Deus da crença em Jesus.
Desde a Idade Média, costuma-se afirmar que o homem pode se aproximar de   Deus   de   duas   maneiras   diferentes:   por   meio   do pensamento             ou          por         meio     da           fé.
Por exemplo,  Martinho              Lutero acreditava  que   é   possível   para   nós  conceber  uma onipotência  que criou o mundo, sem referência à Bíblia. Porém, a natureza dessa força permanece oculta para nós. Para os cristãos, tudo o que se sabe com certeza a respeito de Deus é aquilo que Jesus revelou em sua vida e em suas prédicas.
A teologia católica distingue entre uma revelação natural e outra sobrenatural. A revelação natural significa a percepção divina que é acessível a todos os seres humanos, pois Deus se revelou no  mundo natural e no anseio religioso do homem. A revelação sobrenatural é a revelação especificamente cristã. Portanto, ao observar o mundo que Deus criou — e usando  nossa razão —, não podemos adquirir mais do que um conhecimento indireto de Deus. A compreensão perfeita vem apenas do nosso encontro de fé com Cristo.

Providência divina — fardo humano

Meu Pai trabalha até agora e eu também trabalho.
João 5,17
"O que será, será." É o que diz o refrão de uma velha canção popular. Essa frase é um exemplo de fatalismo, uma  atitude  em  relação à vida que teve papel decisivo para os antigos gregos, ou para os   vikings   da   Europa  do   Norte.  O   destino   é   uma   força  cega  e impessoal  do   universo,  perante  a   qual   tanto   os   deuses   como  os homens deveriam se curvar.
O            cristianismo       divulgou              pelo       mundo afora     a             crença  na providência.    Os    cristãos    assumiram    a    antiga    crença  judaica, expressa na Bíblia, de que Deus segue envolvido em sua obra da criação, dando continuidade a ela.
DEUS COMO CRIADOR E PROVEDOR
É fundamental para o cristianismo a ideia de  que  Deus sustenta o mundo. Se ele tivesse "se retirado" após a criação, tudo teria entrado em colapso. O Deus cristão é o senhor da história, conduzindo o mundo até sua redenção.
Os cristãos expressam sua gratidão a Deus com  tanta freqüência precisamente porque, entre outros motivos, eles experimentaram em suas vidas o cuidado amoroso de Deus e sua mão orientadora. Mas experimentar o amor de Deus depende da boa vontade do indivíduo de permitir que a vontade de Deus seja feita em sua vida. Assim, Jesus ensinou os discípulos a orar: "Seja feita a tua vontade, assim na  terra  como  no  céu". Com isso ele queria dizer que a vontade de Deus não prevalece automaticamente neste mundo.
 Jesus exortava as pessoas a dependerem do cuidado divino, o              que        não        significa               que devemos                nos        eximir   de          nossas responsabilidades   e   deveres   para   com   os   outros   ou   para   com a comunidade em que vivemos. Deus criou o homem para ser seu colaborador, seu companheiro na criação, seu co-criador.
A Bíblia também ensina que a obra sistemática de Deus todo- poderoso é conduzida numa espécie de campo de batalha com as  forças que se opõem a ela. O reino de Deus em plenitude está em  algum lugar do futuro. Ele virá algum dia, quando Deus intervier radicalmente. No entanto, mesmo agora os movimentos de Deus são aparentes, tanto em assuntos específicos como, pelo mundo afora, no sentido mais amplo.
 Mais ainda, o cristianismo afirma que  o  cuidado de  Deus  pela criação  é  universal.  Ele  não  se  limita,  por  exemplo,  a  certos grupos seletos  de  pessoas.  Ele  se  importa  com  todas  as  pessoas  em  igual medida.

O SER HUMANO COMO COLABORADOR DE DEUS
Há um curto versículo da Bíblia que por vezes é chamado de "tarefa cultural" (Gênesis 1,28). Nele Deus abençoa os primeiros  seres humanos e diz:  "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei  a  terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos   os animais que rastejam sobre a terra".
Quando consideramos a explosão populacional dos últimos tempos, temos de reconhecer que o homem de fato cresceu e se multiplicou. Sem dúvida, também dominamos a terra. O que não conseguimos fazer foi "dominar sobre" seus recursos sem depredá-los —    sobre "os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra". Estamos em pleno processo de acabar com os peixes dos mares e enfrentamos o perigo de tornar extintas muitas espécies de animais.
As culturas ocidentais devem assumir boa parte da responsabilidade pelo sério impacto causado na natureza nos últimos séculos. Ternos de perceber que não cuidamos  da  criação  com  carinho, como deveríamos ter feito. O problema da poluição é hoje tão grande que precisamos fazer uso de  recursos  consideráveis  para  tentar solucioná-lo, e, assim, não sermos envenenados pelo ar que respiramos e pelos produtos da terra e do ar.
Também falhamos em dividir e alocar os benefícios materiais internacionalmente. Nisso o fardo principal cabe à Europa. A distribuição desigual dos recursos globais não só rompe nossa responsabilidade administrativa, como vai contra a prescrição  cristã da caridade. O homem foi criado para ser o ajudante de Deus; mas depois de se recusar a trabalhar com ele, tornou-se adversário  e  inimigo de Deus e de seu plano para a raça humana.

A humanidade — boa ou má?

Pois não há diferença, sendo que todos pecaram e todos estão
[privados da glória de Deus.
Romanos 3,22-23
Já vimos que o homem foi criado à imagem de Deus. Ele foi equipado pelo Criador para poder viver como Deus  desejava;  mas existe "algo" que se opõe ao controle do mundo por Deus  e  a  seu  plano para a vida terrena. No cristianismo, esse "algo" é chamado de pecado.

QUAL É A ESSÊNCIA DO PECADO?
O            Novo     Testamento       usa         a             palavra grega  hamartia                para "pecado". Esse substantivo deriva de um verbo que pode significar "perder alguma coisa", "tomar o caminho  errado"  ou,  figurativamente, "trapacear com nosso próprio destino". Podemos, portanto, dizer que o pecado designa aquilo que rompe  com  a  intenção de Deus para a vida humana. Essa palavra tem um sentido muito mais amplo do que "fazer algo errado".
O pecado é sobretudo um conceito religioso. Ser pecador não significa automaticamente levar uma vida imoral; pode-se muito bem ser uma pessoa decente. Mas mesmo que o indivíduo não seja um canalha em termos humanos, do ponto de vista de Deus ele é um pecador.
Uma explicação sobre o pecado deve começar pela vontade do Criador. Esta afirma que o homem deve estar com Deus — senhor da vida — e moldar sua existência de acordo com os objetivos de Deus. O pecado é, portanto, o desejo  humano  da  auto-suficiência,  seu  desejo de conseguir viver sem Deus. Romper essa comunhão com Deus leva àquilo que a Bíblia chama de quebrar a lei, quebrar a santidade, de iniqüidade e apostasia. Podemos dizer que o pecado é  aquilo  que  separa o homem de Deus. Se Deus é amor, o pecado é a falta de benevolência. Quer se dirija a Deus quer a nossos próximos, os seres humanos, o pecado é aquilo que leva ao egoísmo e ao egocentrismo. Martinho Lutero o definiu sucintamente com a expressão latina

incurvatus in se — ou seja, "encurvado em si mesmo".
O pecado, porém, não implica apenas  as  quebras  individuais da lei de Deus — ou da ética cristã. É pior que isso. O pecado é mais profundo. Ele fica "no coração" — ou na  vontade maligna do  homem. É essa tendência da vontade — ou  toda  essa  condição    que engendra aquilo que podemos chamar de pecado real. Assim, do ponto de vista teológico é importante distinguir entre "pecado" e "pecados". O pecado é tanto um estado como uma atividade.
O problema de muitas pessoas é que elas não têm senso  de  culpa ou pecado. Talvez acreditem que são razoavelmente morais, ou pelo menos tão morais quanto seus vizinhos- Foi esse o caso do jovem rico narrado no Evangelho de São Mateus (19,16-26):

Aí alguém se aproximou dele e disse: "Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?". Respondeu: "Por que me perguntas sobre o   que é bom? O Bom é um só. Mas se queres entrar para a Vida, guarda   os mandamentos". Ele perguntou-lhe: "Quais?". Jesus respondeu: "Estes: Não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho; honra pai e mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo". Disse-lhe então o moço: "Tudo isso tenho guardado. Que me falta ainda?". Jesus lhe respondeu: "Se queres ser perfeito, vai,  vende  os teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Depois, vem e segue-me". O moço, ouvindo essa palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens.
Então Jesus disse aos seus discípulos: "Em verdade  vos  digo que um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus. E vos digo ainda:    é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um  rico entrar no Reino de Deus". Ao ouvirem isso, os discípulos ficaram muito espantados e disseram: "Quem poderá então salvar-se?". Jesus, fitando-os, disse: "Ao homem isso é impossível, mas a Deus tudo é possível".

Esse homem era moralmente correto em todos os aspectos, e o Evangelho de São Marcos diz que Jesus o amou. Mas havia algo que o

impedia de ter uma relação plena e perfeita com Jesus, e portanto com Deus. Não era simplesmente o fato de ser muito rico,  já que em  Israel se considerava isso uma bênção de Deus, desde que a riqueza não  tivesse sido acumulada com a exploração dos outros. A passagem não  diz de que maneira o homem  havia enriquecido, mas Jesus compara  sua riqueza com a pobreza dos outros. O pecado desse homem rico é  que ele era tão apegado a sua riqueza que na verdade quebrara o mandamento fundamental de amar a Deus e ao próximo.

PECADO ORIGINAL
A expressão "pecado original" não se encontra na  Bíblia, mas  é usada pelos teólogos para descrever o pecado com que todo ser humano  nasce. Ele significa que cada pessoa tem um  desejo inato   de romper com Deus.
A tendência inata de pecar que existe em todas as pessoas é apenas um aspecto do pecado original. Não é somente o desejo  de pecar que  é  passado de  geração em geração. Igualmente importante é  a idéia de que os resultados do pecado também são  transmitidos.  Todos sabemos que as ações das pessoas podem ter  conseqüências  para os outros. Isso se aplica ainda às decisões dos políticos e às descobertas dos cientistas.
O indivíduo moderno não terá dificuldade de atinar com o termo pecado e a expressão "pecado original". Nos últimos anos, assistimos a um acúmulo de  armamentos  que  ameaça  todas  as formas de vida na terra. Em poucas horas, o homem é  capaz  de  destruir o mundo inteiro. Essa perspectiva catastrófica não é um mero exemplo do pecado, mas também ilustra que o pecado pode ser um problema coletivo.

O PROBLEMA DO MAL
Tanto a história da queda do homem (Gênesis 3) como a doutrina cristã do pecado original levantam a questão: de onde vem o mal? O primeiro capítulo da Bíblia termina com as palavras: "Deus viu

tudo o que tinha feito: e era muito bom" (Gênesis 1,31). Porém, logo adiante lemos que Adão e Eva foram expulsos do paraíso, que a morte fez sua aparição, que a mulher deu à luz  com  dor,  que  Caim assassinou seu irmão e que o mal aumentou pelo mundo afora. Chega até o ponto em que Deus lamenta a criação (Gênesis 6,5-8). Ao mesmo tempo, afirmamos que Deus é todo-poderoso. Como se explica isso? Como Deus pode ser todo-poderoso e infinitamente bom, quando há tanto sofrimento no mundo? Denominamos esse conflito de "o problema do mal".
O problema do mal sempre preocupou a humanidade. Ele ab- sorve vários autores bíblicos, como Jó e o Eclesiastes. Teólogos c pensadores já o debateram através de toda a história da Igreja. Para muitas pessoas, esse problema é tão forte que se  transforma  na  própria questão de saber se é possível acreditar em Deus ou não. O dilema pode ser  resumido deste modo: se Deus é todo-poderoso, ele não pode ser bom, e se ele é bom, então não pode ser todo-poderoso.
Tal problema pode parecer insolúvel. Mas o que  queremos  dizer com "todo-poderoso"? Se todo-poderoso significa que Deus é a causa de tudo, tanto a queda do homem do estado de graça como a doutrina cristã da expiação perdem o sentido. Contudo, a Bíblia não proclama nenhuma doutrina desse tipo. Do início ao fim, ela fala de uma força no universo que se opõe a Deus.
A Bíblia afirma que o mal existe de fato no mundo e que a humanidade tem o mal dentro de si. O homem já causou guerras, inimizades e sofrimentos na terra. A Bíblia  fala de uma força que se opõe a Deus. Foi o homem que construiu os campos de concentração,  foi o homem que usou bombas de napalm e bombas de gás em várias guerras. A história da criação fala metaforicamente da "serpente". Fala das "forças sobre-humanas do mal", de Satã que, segundo a  lenda,  tinha sido o mais belo de todos os anjos — Lúcifer (portador da Luz)
           mas foi expulso para as regiões infernais por se opor à vontade de Deus. Fala também de um poder pessoal de oposição a Deus: o diabo.
Então será que Deus não é todo-poderoso, afinal? Embora

todos experimentemos o mal como parte da existência humana, o cristianismo sustenta que o mal um dia será vencido. Tampouco é verdade, como muitos acreditam, que Deus se mostra "mais todo- poderoso" no Antigo Testamento do que no Novo e depois. Bem ao contrário: o mal, seja considerado uma força  pessoal  ou  impessoal,  está presente desde o início. Até mesmo a serpente existia antes da queda. O cristianismo, porém, prega a esperança de "novos  céus  e  uma nova terra" quando "Deus será tudo em tudo". Em certo sentido, podemos dizer que o aspecto todo-poderoso de  Deus — com referência a seu "poder sem igual" — é algo que será revelado no futuro.
Mesmo assim, para muitas pessoas o problema do mal é o  motivo principal para negar o cristianismo. É bem fácil  dizer  que  algum dia o mal será derrotado. Mas onde  estava  Deus  em  Auschwitz? Onde estava ele em Hiroshima? Jesus fez a mesma pergunta quando estava na cruz: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?".

DEUS COMO SALVADOR

Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único,
para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna.
João 3,16


O HOMEM DE NAZARÉ

Eu sou a luz do mundo.
Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida.
João 8,12

Quem foi Jesus?

Talvez ninguém tenha exercido tanta influência na história mundial como Jesus de Nazaré. A questão de saber quem foi Jesus vem intrigando a cultura ocidental por 2 mil anos.
Foi ele um visionário religioso? Ou um homem pio que queria ensinar a seus companheiros como viver? Pode ele ser comparado com os muitos judeus seus contemporâneos que estavam se apresentando como o prometido Messias? Ou é ele o Filho de Deus e salvador da humanidade?
Podemos abordar tais questões lendo as narrativas bíblicas sobre Jesus e estudando a época em que ele viveu. Mas as respostas   que encontraremos serão baseadas na fé. É a fé na  ressurreição  do  Filho de Deus que constitui a pedra fundamental do cristianismo. Contudo, há poucos historiadores modernos que discordam da afirmação de que Jesus de fato existiu.
Histórias que  foram escritas nos dois primeiros séculos após    a morte de Jesus (como as do historiador judeu Flávio Josefo, e dos historiadores romanos Tácito e Suetônio) contêm breves comentários sobre ele. Jesus não é um personagem de ficção.

JESUS DE NAZARÉ (C. 6 A.C. - 30 D.C.)
Jesus nasceu antes da morte de Herodes, o Grande, provavelmente no ano romano de 749. Quando  nosso  calendário  atual foi introduzido, acreditava-se que Jesus tinha nascido em 754; temos aí, portanto, uma discrepância cronológica de pelo menos cinco anos.
Jesus era um judeu, e na época de sua juventude o  reino  judaico estava sob o controle direto de um oficial do Império romano. Jesus se tornou um profeta itinerante, baseando suas idéias nas escrituras judaicas. Mas logo ficou claro que ele estava formulando uma doutrina independente, pois com freqüência dizia coisas como: "Vós aprendestes o que foi dito a vossos antepassados... Eu, porém,

vos digo...".
No ano 29 ou 30 de nosso calendário, Jesus foi acusado de blasfêmia por um tribunal religioso judaico. Um alto funcionário romano, Pôncio Pilatos, atendeu ao apelo dos anciãos judeus e sentenciou Jesus à morte, executando-o por crucificação. Pilatos o sentenciou por ter se rebelado contra o Estado romano.

O JESUS DA HISTÓRIA
Em razão de  uma série de  discrepâncias entre os  evangelhos,  é quase impossível pintar um retrato biográfico detalhado de Jesus. Os evangelhos nos mostram como a Igreja cristã compreende Jesus. Os evangelhos estão permeados com a crença de que Jesus é o Messias prometido pelo Antigo Testamento.
O objetivo dos evangelhos não era a veracidade  histórica,  e  sim a proclamação de uma mensagem. O que importa na  maneira  como eles falam sobre Jesus não é que ele morreu na cruz, mas por   que ele morreu.
E fundamental manter a distinção entre os evangelhos e a ciência histórica. Os historiadores, empregando métodos científicos, podem dizer que Jesus foi provavelmente um homem que insistia em ser investido de autoridade divina, e que mais tarde houve um grupo   de pessoas que acreditaram que ele ressuscitou. Os evangelhos e a Igreja, por sua vez, proclamam que Jesus de fato tinha autoridade divina e que de fato ressuscitou. Ninguém pode justificar a fé cristã ou qualquer que seja por meios científicos, nem refutá-la  com  base  nesses métodos.


O Messias, Filho do Homem, Filho de Deus

E o Verbo se fez carne. João 1,14

O Novo Testamento é pródigo em títulos para Jesus. Títulos que se originam no judaísmo e na história de Israel, mas encontram   um novo significado no cristianismo.

O MESSIAS
A palavra Messias significa, na verdade, "o ungido", uma referência à maneira como o rei de Israel era ungido com  óleos  ao subir ao trono. Portanto, essa palavra inicialmente era um título majestático. Depois da época dos reis Davi  e  Salomão,  Israel  entrou em declínio, mas os judeus continuaram a acreditar e a ter esperança de que algum dia haveria de chegar um novo Messias, um novo rei da linhagem de Davi.
A tradução grega da palavra Messias é Christos. Assim, originalmente o nome Jesus Cristo é um  reconhecimento  de  que Jesus é o prometido Messias. Embora, segundo os evangelhos,  em várias ocasiões Jesus tenha admitido ser o Messias, há provas de que  ele não usava esse título para falar de si mesmo. Ainda que possa ter aparecido como Messias para seus discípulos, é muito pouco provável que tivesse se referido a si mesmo dessa maneira em público, decerto porque não queria ser visto como o libertador político de seu país.

O FILHO DO HOMEM
O título usado com mais freqüência por Jesus era Filho do Homem. Esse título também é tomado do Antigo Testamento, onde se referia ao salvador que os judeus esperavam que fosse enviado por  Deus. Em oposição à coloração nacionalista e política do Messias, o Filho do Homem era uma figura celestial que haveria de  chegar "envolto em nuvens do céu" para salvar os justos. O fato de que Jesus chamasse a si mesmo de Filho do Homem indica que ele  se  considerava um ser divino.
Segundo os evangelhos, Jesus relacionava a idéia de Filho do Homem com as profecias de Isaías sobre o "servo sofredor", que ao assumir o sofrimento para si, haveria de restaurar o relacionamento deteriorado entre Javé e seu povo.

O FILHO DE DEUS
Em diversos trechos do Novo Testamento Jesus é chamado de Filho de Deus. A maneira exata como Jesus considerava esse

relacionamento filial é um tópico muito discutido. Mas, decerto, tudo indica que Jesus acreditava ter uma associação  especial  com  Deus. Seu uso da palavra hebraica aba, ou "pai", não tem  paralelo  nos  círculos judaicos na época de Jesus.
Jesus se refere a si mesmo como Filho, ou Filho de Deus, em particular no Evangelho de São João. É bem  claro  que  aqui  esse nome tenciona conotar a unidade entre  Jesus  e  Deus.  Numa passagem Jesus se expressa deste modo: "Eu e o  Pai  somos  um"  (João 10,30). A idéia é que Jesus foi enviado ao mundo para revelar Deus aos homens: "Quem me vê, vê o Pai" (João 14,9).


A pregação de Jesus e a ética cristã

"AGORA MESMO" E "AINDA NÃO"
Segundo o mais antigo dos evangelhos, o de Marcos, Jesus aparece como um pregador que traz esta mensagem: "Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho" (Marcos 1,15).
Assim, a expressão "reino de Deus" deve ser considerada uma esperança de um futuro reino da salvação. O reino de Deus começaria  no final dos tempos, quando o Messias chegasse. Alguns o interpretavam como um reino político terreno, tendo como centro Jerusalém e o povo de Israel. Outros o viam mais como um reino do além, com vida eterna para os redimidos, o que viria depois de uma catástrofe global em que todos os poderes iníquos seriam vencidos. Contudo, não havia uma linha divisória nítida entre os dois modos de pensar. Com freqüência, ambos se encontram no mesmo grupo.
A afirmação "o Reino de Deus está próximo" não era original na época de Jesus- Antes dele, João Batista e vários outros como ele   já haviam pregado a mesma  mensagem:  este  mundo  está caminhando para a destruição —  e  Deus assumirá o  poder como rei.  A idéia radicalmente nova nas prédicas de Jesus é  que  a  vinda  do  reino de Deus estava ligada à pessoa dele. Jesus não apenas diz que o

reino de Deus virá no futuro imediato (embora  diga  isso  também), mas era várias ocasiões ele menciona que o reino de Deus já chegou.
Essa dicotomia na proclamação que faz  Jesus  do  reino  de Deus está ligada à maneira como Jesus via a si mesmo. Era ele quem haveria de revelar e implementar o reino de Deus. Por meio de suas prédicas e  de  suas curas, o reino de Deus já passara a existir. A nova  era — a era messiânica — já começara.
Ao mesmo tempo, muitas das palavras de Jesus deixam claro que o reino de Deus é algo que pertence ao futuro. O sucesso final da vitória de Deus sobre o mal virá quando o Filho do Homem chegar "vindo sobre as nuvens do céu com poder e grande glória" (Mateus 24,30).
A polaridade entre agora mesmo e ainda não sempre caracteri- zou o cristianismo e os ensinamentos cristãos. E os caracteriza até os dias de hoje.

JESUS COMO MESTRE
Jesus era chamado rabi — "mestre" ou "professor" —, e muitas pessoas do mundo inteiro, cristãs e não cristãs, se impressionaram  com ele como pregador. Seus ensinamentos podem ser divididos em quatro categorias diferentes:
*             Alguns estão sob a forma de  pequenas  máximas.  Muitas  destas  são paradoxos (isto é, afirmações em aparente contradição), como: "Pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim, vai  encontrá-la"  (Mateus 16,25).
*             Uma parte importante dos ensinamentos de Jesus eram suas muitas conversas com os discípulos, com homens instruídos ou com outras pessoas que ele encontrava. Já vimos o exemplo da conversa de Jesus com o jovem rico. {Veja Mateus 19,16-26.)
*             Um terceiro método de instrução eram os freqüentes discursos ou sermões feitos por Jesus a seus discípulos ou a grupos mais numerosos. Um dos sermões mais longos e mais significativos foi o que Jesus fez a seus discípulos pouco antes de ser  preso  em  Jerusalém. O tema desse sermão foi "a era final" — antes que o Filho do Homem apareça no Dia do Juízo Final. (Veja Mateus 24 e 25.)
*             O que mais caracterizava os ensinamentos de Jesus era o uso das parábolas. Estas geralmente estão inseridas em conversas ou pregações mais longas. Uma parábola é uma comparação ou imagem que serve para exemplificar uma verdade mais profunda.
As parábolas de Jesus podem ser muito curtas, e com  freqüência tomam de empréstimo imagens da natureza. Veja, por exemplo, a parábola do Semeador, em Mateus 13,3-9 e 13,18-23. Mas também podem ser longas histórias que desenvolvem temas tirados da vida diária. Veja a parábola do Filho Pródigo, Lucas 15,11-32, e a dos Trabalhadores da Vinha, Mateus 20,1-16.

O SERMÃO DA MONTANHA
As diversas parábolas relativas ao reino de Deus deixam claro que Jesus não o considerava sob uma luz política, diferentemente de muitos judeus da época. Ele estava expressando algo totalmente distinto do que era normal em sua época. E por isso que, quando foi interrogado por Pilatos, ele respondeu que seu reino "não era deste mundo". Isso não quer dizer que ele  dava as costas ao mundo, e sim  que ele vem de Deus e, portanto, não é deste mundo.
A expressão que traduzimos por "reino de Deus" significa na verdade "domínio de Deus". Em outras palavras, o reino de Deus  é  onde Deus é o senhor — e ali o mal deve ceder. O sentido disso na prática foi revelado por Jesus em seu Sermão da Montanha, que descreve a nova vida no reino de Deus.
São características do Sermão da Montanha suas rigorosas exigências éticas e a insistência básica na caridade. Em  oposição  a  todos os mandamentos e todas as interdições tão típicos do judaísmo daquela época, Jesus insistia num amor incondicional a Deus e ao próximo. Isso não significa que ele "rescindiu"  os  velhos mandamentos. Bem ao contrário: ele os enfatizou e ampliou sua validade. Por exemplo, não é suficiente amar "o próximo". Você deve amar até mesmo seu inimigo.
Como a linguagem, é tão precisa  e  as  exigências  tão  absolutas, o Sermão da Montanha já foi interpretado de  várias maneiras diferentes. Um de seus aspectos mais debatidos  é  a  exortação de Jesus para pagar o mal com o bem:
***
Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem mau; antes, àquele que te fere na face direita oferece-lhe também a esquerda; e àquele que pleitear contigo para tomar-te a túnica, deixa-lhe também a veste; e   se alguém te obriga a andar uma milha,  caminha  com ele duas. Dá  ao que te pede e não voltes as costas ao que te pede emprestado. [Mateus 5,38-42]
***
Muitos acharam  difícil  engolir  essas e outras  palavras  do Sermão da Montanha. Será que na vida prática é possível seguir as exigências éticas  do Sermão  da Montanha? E se não  for, como devemos interpretá-lo?
***



INTERPRETAÇÕES DO SERMÃO DA MONTANHA

*             Desde os primeiros dias da Igreja, muitos acreditaram que o Sermão da Montanha devia ser tomado literalmente. Numa dissertação teológica, Albert Schweitzer afirma que os primeiros cristãos esperavam que Jesus voltaria muito em breve. Para eles, o Sermão da Montanha funcionava como uma ética provisória enquanto o aguardavam. Mas, com o passar do tempo, a noção da volta de Jesus se alterou, e isso levou a outras interpretações da ética do Sermão. Mesmo assim, nos tempos modernos muitos tomaram ao pé da letra as exigências do Sermão da Montanha. Um deles foi o escritor russo Leão Tolstoi (1828-1910).

*             A igreja católica romana já declarou que o Sermão da Montanha se dirige sobretudo àqueles que têm uma vocação — os religiosos, padres, monges, frades e freiras —, em particular em suas exigências de celibato e pobreza pessoal.
*             A interpretação luterana em geral tem sido que os mandamentos do Sermão da Montanha são exigências ideais, as quais é impossível seguir neste mundo. Porém, quando  os  homens  veem  que não conseguem cumpri-las, compreendem como são incomparavelmente limita' dos em relação a Deus. Eles são seres pecadores que precisam do perdão e da ajuda de Deus para poder viver.
Mais recentemente, teólogos luteranos ressaltaram que o Sermão da Montanha é uma parte da revelação de Jesus sobre a vinda  do reino de Deus. A ética do Sermão, portanto, é algo que o homem pode lutar para alcançar em sua vida pessoal e comunitária; no entanto, a realização final desses ideais só virá com  o  advento  do  reino de Deus.
*    A teologia protestante desenvolveu outro conceito, baseado na ideia de que o mais importante é ter boa vontade, ser bem-intencionado nas ações. Essa interpretação já sofreu pesadas críticas, pois reduz a  moral a algo puramente interior.
*    Uma quinta maneira de interpretar é que Jesus queria  censurar os fariseus do seu próprio tempo e o "farisaísmo" de todas as épocas. Isso inclui a auto-indulgência e a arrogância ocidental dos  tempos modernos .

O MANDAMENTO PRINCIPAL
Um pequeno versículo do Sermão da Montanha  se  tornou muito conhecido e é chamado de Regra de Ouro: "Tudo  aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas" (Mateus 7,12).
Em todas as pregações de Jesus,  a  caridade  é  proclamada como o mandamento-chave: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mateus 22,39). Repetidas vezes se enfatiza que a caridade  não deve ser expressa apenas àqueles de quem se gosta, às pessoas da própria comunidade, ou àqueles que se encontram em  dificuldades  sem ter culpa por isso. Todas as pessoas devem  receber  amor  — mesmo as que, segundo a opinião comum, merecem a dureza de seu destino. Como já foi mencionado, Jesus chega a dizer que  devemos  amar nossos inimigos.
É importante ressaltar que amor, no sentido em que Jesus empregava a palavra, não era principalmente um sentimento ou uma emoção. Isso está sublinhado em várias passagens  dos  ensinamentos de Jesus, talvez da melhor forma na parábola do Bom Samaritano.
A exortação à caridade deve levar à ação. Desse mandamento brota uma série de outros valores: fidelidade, compaixão, justiça, veracidade e honestidade. Mas todos esses são meros ideais abstratos  se não os aplicarmos às situações reais em que nos encontramos.

"TAL COMO FIZ PARA VÓS"
Jesus não apenas proclamou o evangelho  do  reino  de  Deus; ele o pôs em prática. Demonstrou o que queria dizer com "caridade" em situações reais. Tais ações incluíam curar os doentes. Os milagres da cura não foram simplesmente uma expressão da compaixão  de  Jesus, mas uma prova de que o poder do reino de Deus estava ativo.
Foi em parte por causa de seu amor incondicional ao próximo que Jesus entrou em conflito com os escribas e os fariseus. Atacaram-  no por comer juntamente com "coletores de  impostos  e  pecadores", por expulsar "demônios" e em especial por distribuir o "perdão dos pecados". Que direito tinha ele de fazer isso?, perguntavam.
Jesus defendeu suas ações numa série de parábolas  que  criticam diretamente o tipo de religiosidade  representada  pelos  escribas e fariseus. Estes acreditavam que a questão era entrar num relacionamento correto com Deus mediante os esforços da própria pessoa. Aqueles que mantinham a Lei eram o verdadeiro povo de Deus, ao passo que os que a infringiam, mereciam o castigo de Deus.
 Assim, misturar-se aos coletores de impostos e aos pecadores era ignorar as exigências de pureza e de uma  vida  moral.  E  o  cumprimento dos muitos mandamentos e  das  muitas  regras  acerca da pureza constituía um pré-requisito para a vinda do reino de Deus.
Todo tipo de religiosidade autocentrada foi descartada por Jesus. O homem não pode tornar a si mesmo merecedor da redenção divina. O amor de Deus oferece perdão e comunhão, sem questionar se  o homem de fato os merece.
Uma história do Novo Testamento que comprova como o próprio Jesus praticava esse amor sem reservas é a do lava-pés. Ao se encontrar com seus discípulos durante a Última Ceia, Jesus se ajoelhou e lavou-lhes os pés. Foi um gesto inaudito, pois os  servos é  que costumavam fazer tarefas como essa, e Jesus era o amo e senhor     de seus discípulos.
Essa história confirma que o reino de Deus não é um mero presente de Deus ao homem, mas uma tarefa que o homem é chamado  a realizar. Jesus não viu como seu dever simplesmente  dar  aos homens uma imagem melhor de Deus; ele quis atraí-los para uma comunhão com Deus. O amor de Deus exige que o homem imite esse amor.
As epístolas de são João também enfatizam  a  correlação  entre o amor de Deus pelo homem e o amor dos homens  um  pelo  outro, o amor fraterno.
Quanto a nós, amemos, porque ele nos amou primeiro. Se alguém disser:
"Amo a Deus',
mas odeia o seu irmão, é um mentiroso:
pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar. É este o mandamento que dele recebemos: aquele que ama a Deus,
 ame também o seu irmão.
Primeira Epístola de São João 4,19-21
A doutrina da Igreja sobre Jesus

E ordenou-nos que proclamássemos ao Povo e déssemos testemunho de que ele é o juiz dos vivos e dos mortos.
Atos 10,42
AS PRÉDICAS DE JESUS E A PROCLAMAÇÃO CRISTÃ DE JESUS
Os primeiros cristãos  não  continuaram  as  pregações  de Jesus, mas começaram a proclamar o próprio  Jesus.  Isso  é evidente nas epístolas que Paulo escreve para as primeiras  igrejas  cristãs,  apenas vinte ou trinta anos depois da morte de Jesus.
Jesus tinha proclamado o evangelho ("a boa nova") do reino de Deus. Portanto, a boa nova do que Jesus proclama é que o reino de  Deus está próximo. Tanto nos Atos dos Apóstolos como nas cartas do Novo Testamento, evangelho permanece uma palavra-chave; porém, nessas alturas, ela assumiu um novo significado. Agora a boa nova é o Cristo ressuscitado. O evangelho é a própria "experiência de Cristo", a saber, que Deus enviou seu filho por amor ao ser humano. O que se destaca é Jesus como salvador e o que isso representa para o homem.
Essa mudança de ênfase não implica nenhuma quebra nos ensinamentos de Jesus nem em sua visão de  si  mesmo  e  de  seu  papel. Como já vimos, Jesus também via seus ensinamentos como inseparáveis de sua própria pessoa. De acordo  com  o  Evangelho  de São João, ele falou de si mesmo nesta parábola:
Em verdade, em verdade, vos digo:
Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só;
mas se morrer,
 produzirá muito fruto.

João 12,24

Nos mais antigos ensinamentos cristãos, Jesus é  o  Deus  vivo que conquistou a morte e que em breve irá voltar  para  julgar  os  vivos e os mortos. Os seguidores de Cristo não viviam apenas com a lembrança do Cristo terreno — ou "o homem de Nazaré"; viviam sabendo que estavam em comunhão com ele. O  ponto crucial é  crer em Jesus como Senhor e salvador: "Porque, se confessares com  tua boca que Jesus é Senhor e creres em teu coração  que  Deus  o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo" (Romanos 10,9).

O CREDO
Embora o Novo Testamento inteiro seja um testemunho cristão, durante os primeiros séculos após a morte de Cristo surgiu a necessidade de formular um credo mais definido. Isso aconteceu, entre outras razões, porque naquela época havia uma considerável mistura religiosa (sincretismo).
Para evitar que o cristianismo ficasse aprisionado nessa religiosidade híbrida, era crucial para a Igreja  determinar  os  princípios centrais da fé cristã. Esse esclarecimento também era necessário para prevenir cisões internas entre as igrejas locais e comunidades cristãs. Um resumo dos pontos essenciais da fé se fazia necessário na instrução que a Igreja dava antes do batismo.
Foi assim que passaram a existir os dogmas. A palavra dogma significa "doutrina", e um dogma cristão estabelece o que é o ensinamento cristão correto. Gradualmente, os dogmas foram incorporados a credos mais longos. O mais antigo desses credos  cristãos é o Credo dos Apóstolos, que em sua forma inicial  data  da Igreja de Roma, século III de nossa era. Mais tarde o dogma cristão também foi formulado no Credo do Concilio de Nicéia (século IV) e no Credo de Santo Atanásio (século v). Apesar de haver variações na adoção de credos na Igreja primitiva, o Credo de Nicéia é utilizado por

todas as principais igrejas cristãs.

VERDADEIRO DEUS E VERDADEIRO HOMEM
O dogma sobre Jesus afirma que ele era Deus e homem. Assim, Cristo não é apenas filho de Deus; ele é o próprio Deus. O Credo atanasiano afirma: "Pois a fé correta é que nós acreditamos e confessamos: que Nosso Senhor Jesus Cristo, o filho de Deus, é Deus    e homem [....] Deus perfeito e homem perfeito".
Como era possível que "o homem de Nazaré" fosse Deus? Esse  foi o ponto central discutido durante as disputas dogmáticas dos primeiros séculos do cristianismo.
O fato de que Jesus era  um  homem  é  claramente  ilustrado nas descrições que temos dele nos quatro evangelhos. Aí podemos ler sobre toda uma gama de emoções  humanas.  Jesus  era  capaz  de  sentir alegria e tristeza; podia ser terno e compassivo, mas também severo e reprovador. Ele sofria tentações como qualquer outro ser humano e durante suas últimas horas de vida travou uma batalha interna contra o medo da morte. Essa batalha foi tão árdua que lhe trouxe o mais profundo desespero por ter sido abandonado por Deus. Na teologia de Paulo, a humanidade de Jesus também recebe forte ênfase.
Por outro lado, Jesus expressou a  unidade  entre  Deus  e  ele em várias ocasiões. "Eu e o pai somos um", disse ele (João 10,30), e "Quem me vê, vê o Pai" (João 14,9). No início de  seu  evangelho  (1,14), João afirma: "E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós", o    que significa que Deus se tornou homem. A  teologia  cristã  chama  a isso de encarnação (assumir a carne humana, um corpo).
Um ponto muito discutido na Igreja dos primeiros séculos foi exatamente como compreender e explicar a encarnação. Algumas pessoas destacavam o lado humano de Jesus; outras, o lado divino.
Cada um desses pontos de vista se esquiva  de  um  dos  princípios fundamentais do cristianismo, isto é, que Deus se tornou homem. Jesus não era uma pessoa dupla, mas "verdadeiro Deus e verdadeiro homem" ao mesmo tempo.

Salvação — expiação, libertação e cura
E para a liberdade que Cristo nos libertou.
Galatas 5,1

O cristianismo proclama que Deus se tornou homem. Isso significa que Deus intervém ativamente na batalha entre o bem e  o  mal no mundo. Ele repara o dano causado ao relacionamento entre os homens, e entre Deus e os homens. O homem é libertado de seus grilhões e curado daquilo que o aflige. Portanto, o sofrimento, a morte  e a ressurreição de Jesus dá ao cristão uma nova vida, uma  vida  eterna.

EXPIAÇÃO
A cruz é o símbolo mais importante do cristianismo. Os quatro evangelhos dão grande peso aos acontecimentos dos dias imediatamente anteriores e posteriores à morte de Jesus. A teologia de Paulo também se concentra na crucificação e ressurreição de Jesus. É o Jesus crucificado que é o redentor dos seres humanos.
Assim, que significado tem para a fé cristã o sofrimento,  a  morte e a ressurreição de Jesus?
Já vimos como o pecado destrói o relacionamento do homem com Deus; vimos que surgiu uma inimizade entre o homem e Deus. O cristianismo ensina que o Jesus inocente assumiu para si a culpa do mundo e sofreu a punição que caberia à humanidade.  Ele  sofre  e  morre no lugar do homem. Os cristãos chamam a isso de sofrimento vicário. Por meio dele, Deus se reconcilia com o mundo, e o contato do homem com Deus é restabelecido.
Paulo enfatiza que a expiação de Jesus é um presente para a humanidade, embora esta não o  merecesse.  Em  oposição  às  normas do pensamento judaico, ele destaca que o próprio homem não pode fazer nada para se reconciliar com Deus. A reconciliação vem apenas da mão de Deus, isto é, da parte isenta de culpa. A expiação de Cristo — o fato de que ele deu sua vida pelos homens pecadores — é, portanto, um ato de compaixão. Poderíamos dizer que Deus tempera a justiça com a graça. A compaixão também era um axioma nas pregações de Jesus — por exemplo, na parábola do Filho Pródigo.
Para Paulo, era fundamental estabelecer que de modo algum o homem pode se tornar merecedor da graça; ele não tem nenhum direito à justiça diante de Deus. Porém, quando o homem recebe a mercê de Deus, ele é absolvido. Deus "absolve os culpados", como diz Paulo. Isso tem o mesmo significado que o perdão dos pecados. Logo, a doutrina de que o homem é absolvido sem merecer é essencial para os ensinamentos de Jesus.
Deus venceu a morte e o mal por meio da  ressurreição  de  Jesus. A humanidade recebeu uma nova chance,  uma  nova  esperança. A ressurreição é o ponto mais fundamental  do  cristianismo; e, assim, a Páscoa é o ponto alto do ano  eclesiástico. Paulo resume: "E, se Cristo não  ressuscitou,  vazia  é  a  nossa pregação, vazia também é a vossa fé" (lCoríntios 15,14).

SALVAÇÃO
A palavra usada no Novo Testamento para "salvo" é um verbo grego que significa "redimido", "preservado" ou "curado".
Um conceito básico do cristianismo é que o homem não pode salvar a si mesmo. A salvação é dada livremente ao homem se ele acreditar em Cristo e em sua expiação. "Pela graça fostes salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós, é o dom de Deus", diz Paulo à Igreja de Éfeso (Efésios 2,8).
É apenas por meio da fé em Jesus que o  homem  pode  ser  salvo. Esse pensamento é um tema recorrente nas epístolas de Paulo. Também Jesus acentua a importância da fé para a salvação. "Tua fé te salvou", disse ele em várias ocasiões. Mas a fé não é igualmente uma conquista? Não, segundo o Novo Testamento. A fé é um dom de Deus. Ao enfatizar a importância da fé para a salvação, Paulo não está falando de "ortodoxia". A  fé tem mais a ver com o coração do que com  a cabeça. Hoje em dia, muitas pessoas interpretariam o verbo crer como "ter uma convicção" ou "achar que algo é verdade". Em termos cristãos, é mais correto falar em "confiança" ou "fidelidade". A palavra latina para "fé" {fides) significa justamente isso.

SALVAÇÃO — DO QUÊ?
Do que o homem deve ser salvo? A Bíblia indica  que  a salvação significa se libertar do poder que o pecado exerce sobre o homem. É comum que os sentimentos de culpa venham após o  pecado.
Hoje em dia, tanto o pecado como a culpa muitas vezes são vistos como algo social ou coletivo e não individual. Mas até isso é uma ideia bíblica: não é apenas como indivíduos que somos culpados aos olhos de Deus. Nós pertencemos a uma humanidade culpada.
Atualmente diversas pessoas se preocupam mais com o vazio    e a falta de sentido da existência do que com o pecado e a culpa. Palavras como alienação e ansiedade e a expressão "falta de raízes" descrevem o destino de muitos hoje. Sentimentos de carência e insignificância costumam. vir junto com pensamentos sobre a morte.    A angústia pela vida é, na realidade, uma  angústia  pela  morte,  segundo boa parte dos psicólogos. Através de toda a história do cristianismo, com freqüência a salvação foi interpretada  como salvação da nossa mortalidade.

 SALVAÇÃO — PARA QUÊ?
 Outra palavra para "salvação" é liberdade. "Se, pois, o Filho vos  libertar, sereis, realmente, livres", disse Jesus (João 8,36). "E para a liberdade que Cristo nos libertou", escreve Paulo em sua epístola aos Gaiatas (Gaiatas 5,1). "Não sou, porventura, livre?", exclama ele em outro trecho (ICoríntios 9,1). E, em sua epístola aos romanos, Paulo escreve que Cristo o libertou da lei do pecado e da morte (Romanos 8,2).
E um conceito bíblico que a vida na terra tem valor intrínseco.
Portanto, em toda a Bíblia, a morte é vista como algo negativo. Paulo chama a morte de "o último inimigo". E é a vitória de Jesus sobre a morte, com sua ressurreição, que forma a base para a esperança cristã na vida eterna. É com esse pensamento  que  Paulo  exclama triunfante:
A morte foi absorvida na vitória. Morte, onde está a tua vitória? Morte, onde está o teu aguilhão?
ICoríntios 15,55

A ESPERANÇA CRISTÃ
A esperança cristã anseia por uma época em que tudo o que tiver permanecido imperfeito será substituído pela soberania absoluta  e in-conteste do amor de Deus.  O  cristianismo  ensina  que  uma nova época surgiu com a vitória de Jesus sobre as forças destrutivas  da existência. Apesar de Deus ter tido uma vitória decisiva, não  é  ainda a vitória final. Esta pertencerá a Jesus, quando ele retornar no final da história.
Os ensinamentos de Jesus  deixam  claro  que  sua  referência ao reino de Deus significa mais que a mera salvação individual. A esperança cristã não tem apenas um aspecto pessoal. Tem também o aspecto social ou coletivo; em outras palavras, seu objetivo é uma nova fraternidade humana, uma nova ordem social ou um novo mundo. A esperança cristã abrange ainda um aspecto cósmico: haverá "um novo céu e uma nova terra".

O Juízo FINAL
Quem deverá compartilhar da salvação cristã? O Novo Testamento contém dois grupos principais de afirmações a  respeito do reino de Deus.
Por um lado, há a severa advertência de que a passagem para a vida se faz por uma "porta estreita". Para poder viver no novo reino, o homem deve "negar a si mesmo" e se voltar para Deus. Deus não raro dá ao indivíduo uma escolha, e é preciso força de vontade para sacrificar o obstáculo para uma verdadeira comunhão com  Deus.  Aqui não se trata simplesmente de se  livrar  do egoísmo de  uma vez  por todas, mas também de escolher uma vida  de  obediência, humildade e amor. Não só a porta é estreita, o caminho também.
Junto a essas advertências há outras que retratam o  reino  como um presente, um dom. Alguns versículos do Sermão da Montanha deixam claro que a porta estreita não deixa de ser uma "porta aberta". O mesmo se encontra nas  mensagens  que  afirmam  que o reino de Deus pertence às crianças e no convite a todos aqueles que estão "carregando um pesado fardo". Essa é uma referência às pessoas que sentem que não merecem e às que estão  abertas  para  Deus, aceitam seu presente sem reservas e sem pensar em  suas  próprias realizações.
Algumas passagens dos evangelhos apontam para a  vinda  de um "Dia do Senhor" ou  "Dia  do Juízo", quando todos serão julgados  por suas ações. Uma dessas  passagens  é  a  grande  cena  do julgamento do Evangelho de São Mateus:
***
Quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos os anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória. E serão reunidas em sua presença todas as nações e ele separará os homens uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos, e porá as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. Então dirá o rei aos que estiverem  à  sua  direita:  "Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo. Pois tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber.  Era forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me  vestistes, doente  e  me visitastes, preso e viestes ver-me". Então os justos lhe responderão: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te alimentamos, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos forasteiro e te recolhemos ou nu e te vestimos? Quando

foi que te vimos doente ou preso e fomos te ver? Ao que lhes responderá o rei: "Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a  mim  o  fizestes". Em seguida, dirá aos que estiverem à sua esquerda: "Apartai- vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para  o  diabo e para os seus anjos. Porque tive fome e não me destes de comer. Tive sede e não me destes de beber. Fui forasteiro e  não  me recolhestes. Estive nu e não me vestistes, doente e preso, e  não me visitastes". Então também eles responderão: "Senhor, quando é que te vimos com fome ou com sede, forasteiro ou nu, doente ou preso e não te servimos?". E ele responderá com estas palavras: "Em verdade vos digo: todas as vezes que o deixastes de fazer a um desses pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer". E irão estes para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna. [Mateus 25,31-46]
***
É essencial nesse texto bíblico o aspecto inexorável do julgamento de Deus acerca dos homens. Deus envia o homem à salvação eterna ou à danação eterna. Essa passagem também enfatiza que o             fator      decisivo               são                os           atos       do          homem.
Encontramos tal pensamento mais uma vez  nas epístolas do Novo Testamento: "O que  o homem semear, isso colherá [...] Não desanimemos na prática do bem, pois, se não desfalecermos, a  seu tempo colheremos" (Gaiatas  6,7 e 6,9).
Contudo, em outros trechos fica claro que o julgamento se baseará na atitude que o homem assumiu para com Jesus  Cristo. Como já vimos, também é um princípio básico da teologia cristã que o homem não pode merecer a salvação por causa de suas boas ações; portanto, o significado das ações já foi visto como uma expressão de uma atitude para com Cristo, e não como uma realização  moral  externa. Ou, como diz Tiago em sua epístola: "Com efeito, como o corpo sem o sopro da vida é morto, assim também é morta a fé sem obras" (Tiago 2,26).

Um fator comum aos ensinamentos do Novo Testamento sobre o juízo é a idéia de que o homem vive sob perpétua responsabilidade.   O julgamento revela a injustiça do homem e lida com as coisas que são contrárias ao amor de Deus. Mais do que tudo, é a aceitação  ou  rejeição, pelo homem, de Cristo e do oferecimento de  salvação  de  Deus que irão determinar seu destino no Dia do Juízo.
A doutrina religiosa sobre as "últimas coisas"  é  conhecida como escatologia. O Evangelho de São João é um tanto insólito em sua "escatologia dos dias presentes". De acordo com ele, o julgamento está acontecendo aqui e agora, e a vida eterna é  oferecida  a  este  mundo no encontro com Cristo:
Em verdade, era verdade, vos digo :
quem escuta a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna
e não vem a  julgamento, mas passou da morte  à vida.
João 5,24

PERDIÇÃO
Através da história da Igreja, já existiram várias opiniões sobre juízo, salvação e perdição, e continuam a existir entre os cristãos de hoje. De modo geral, há três visões bem diferentes:
*             Apenas uns poucos serão salvos; os outros terão a condenação eterna (ou pelo fogo do inferno ou pela ausência de Deus).
*             Apenas alguns serão salvos; outros morrerão "a outra morte", ou seja, serão aniquilados para sempre.
*             Toda a humanidade será salva. No Dia do Juízo todos os vivos e os mortos se ajoelharão diante do Senhor, e Deus será "todas as coisas para todos os homens".

 Esses pontos de vista —- todos os três — fundamentam-se em passagens das escrituras.
Convém aqui introduzir um conceito que já ocasionou muita controvérsia e debate: a ideia de inferno. Durante a Idade Média, faziam-se descrições especialmente vividas dos tormentos do inferno, porém as origens desse conceito se encontram no antigo Israel. A palavra nórdica Helviti (punição da deusa da morte), da qual deriva a palavra inglesa hell (inferno), é uma tradução da palavra Gehenna (Geena) do Novo Testamento, que significa em hebraico "Vale de Hinom". Esse vale, ao  sul  de  Jerusalém, era notório pela idolatria. Na   época   de   Jesus   o   nome   Geena decerto   lembrava   as   chamas eternas  do  castigo.  Com  base  nas  citações  do  Novo  Testamento,  é impossível dizer se esse fogo é uma  tortura  eterna  ou  o  esquecimento, a anulação. Há também uma distinção entre o inferno e o  Hades, o reino dos mortos, onde as almas ficam até o Dia do Juízo.

O Espírito Santo e a Igreja cristã

Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudoe vos recordará tudo o que eu vos disse.
João 14,26

O PODER DE DEUS — o ESPÍRITO SANTO
E intrínseco ao cristianismo que Jesus está vivo e sua obra é continuada pelo Espírito Santo.
Em todo o Novo Testamento, Jesus é descrito  como  um homem distinto do Pai. Por  exemplo,  diz-se várias vezes que  ele orou a Deus. 0 espírito de Deus — ou Espírito Santo — ocasionalmente também é  descrito como uma força pessoal. E, em algumas passagens,  o Pai, o Filho e o Espírito Santo se transformam numa fórmula. Paulo termina sua segunda epístola à Igreja de Corinto com esta saudação:   "A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós!".
 Será  que a  doutrina da  Trindade significa que o  cristianismo não   é   uma   religião   monoteísta? A   Bíblia   não   contém nenhuma doutrina  satisfatória  sobre  o  relacionamento  entre  o  Pai,  o  Filho  e  o Espírito Santo, mas, no decorrer dos séculos IV e V d.C, desenvolveu- se a doutrina trinitária. Segundo esta, Deus são três "pessoas" numa única divindade. O sentido de pessoa não era "indivíduo", como hoje. Persona quer dizer "máscara", ou "papel", e deriva do teatro clássico, no qual um mesmo ator usava máscaras para representar  diferentes papéis.
O Espírito Santo é o Espírito de Deus. No primeiro capítulo da Bíblia, o Espírito de Deus é descrito como a força criativa e  doadora  de vida. Porém, no Novo Testamento, o Espírito Santo passa a ser associado a Cristo, e quando os primeiros autores cristãos descrevem sua vida religiosa, dizem com freqüência "uma vida no  Espírito  Santo", assim como "uma vida em Cristo".
No segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos, há uma descrição do modo como os apóstolos receberam o Espírito Santo. Os seguidores de Jesus haviam se reunido após sua morte para  celebrar  o  Pentecostes, quando Deus enviou o Espírito. Considera-se esse o momento inicial da Igreja cristã, e suas atividades religiosas mais importantes são descritas no mesmo capítulo: "Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à  comunhão  fraterna,  à  fração do pão e às orações".

OS SACRAMENTOS
O amor e a proximidade de Deus se  evidenciam  não  apenas por meio de suas palavras, mas também  sob  a  forma  de  atos sagrados, os sacramentos.
A palavra latina sacramento não é mencionada na Bíblia; significa "uma maneira de tornar sagrado", isto é, de fortalecer os laços entre Deus e o homem. Trata-se de um oferecimento palpável, feito por Deus, de uma proximidade com o homem.
O termo sacramento pode, em princípio, aplicar-se a uma série de ações que reforçam a comunhão com Deus. A  Igreja  católica romana reconhece sete sacramentos. Dois têm significado especial e são vistos como sacramentos também na Igreja protestante:  o batismo e a eucaristia, ambos utilizados como  sinais  externos,  visíveis, e ambos instituídos por Jesus.

BATISMO
O próprio Jesus instituiu o batismo, segundo Mateus, juntamente com seu "mandamento missionário" no Dia da Ascensão. Desde os primeiros dias do cristianismo, o batismo foi  o  passaporte para entrar na comunidade cristã; é um ato de  iniciação.  Jesus permitiu que João Batista o batizasse e assim iniciou sua  missão.  Porém, um cristão considera esse sacramento  mais  do  que  apenas uma entrada para a Igreja. Mediante o batismo, Deus concede a salvação e o perdão ao homem. O homem morre, é ressuscitado com Cristo e assume seu lugar na comunidade de  Deus.  Também  é  comum na linguagem cristã se referir ao batismo como "novo nascimento".
O batismo não pode ser separado da Palavra de Deus. Não é   um ritual mágico que tem um poder intrínseco. "Sem a Palavra de Deus, a água é apenas água e não um batismo", disse Lutero.
Esse sacramento também não pode ser divorciado da fé. Aqui está o germe do antigo debate sobre batismo de crianças versus batismo de adultos. Os que apóiam o batismo dos  adultos acreditam que a fé pressupõe uma conversão pessoal, uma escolha, e que o batismo é um ato de confissão e obediência. Os que favorecem  o batismo de crianças afirmam que é apenas pela graça e pelo amor de Deus que somos salvos, os esforços do próprio homem não significam nada. Portanto, as crianças, bem como os adultos, podem  ser admitidas no reino de Deus por meio do batismo. Isso não impede que a pessoa batizada assuma uma fé pessoal mais tarde.

EUCARISTIA
Eucaristia é uma palavra grega que significa "dar graças", e se refere à ceia que Jesus compartilhou com seus discípulos mais próximos antes de ser executado.
Os ingredientes básicos da ceia foram pão e vinho. São essas    as coisas que Jesus escolheu para demonstrar o significado de seu ministério. Ele se ofereceu a si mesmo, em carne e sangue, para que o homem pudesse ser perdoado pelo rompimento de sua relação com Deus. "E tomou um pão, deu graças, partiu e distribuiu-o a eles, dizendo: 'Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória'."
Até mais do que o batismo, a eucaristia vem sendo motivo de discordância e conflito; as várias igrejas já ressaltaram diferentes aspectos desse sacramento. Eis alguns dos temas da eucaristia:
*             O tema da comunidade. Jesus instituiu uma maneira de  fortalecer  o companheirismo, tanto a comunhão com Deus como a  amizade entre os que compartilham aquela ceia. Em algumas igrejas a eucaristia é conhecida como comunhão. A eucaristia antecipa a realização do reino de Deus.
*             O tema da lembrança. Este oferece  a  justificação  histórica  e chama a atenção para aquilo que Deus fez pelo homem por meio da vida e do ministério de Jesus.
*             O tema da confissão. A eucaristia é uma confissão de fé em Deus e no homem. Isso é especialmente verdade onde ela já não é um costume social.
*             O tema da força. Por meio da eucaristia, Deus perdoa o pecado, e concede nova força e nova vida. Jesus doa a si mesmo por meio  do pão e do vinho.
*             O tema do agradecimento. A eucaristia é um presente, e um sentimento de gratidão c alegria caracteriza sua celebração, até mesmo nos primeiros tempos do cristianismo.

*             O tema do sacrifício. Na Igreja católica romana, a eucaristia também é considerada uma reatualização do sacrifício de Jesus no Calvário. Na Igreja católica, a eucaristia é igualmente conhecida como "sacrifício da missa".

ORAÇÃO
A associação do Espírito Santo com o ser humano não se liga apenas à anunciação e aos sacramentos. A oração é outro meio pelo qual o cristão entra em contato com Deus.
Segundo os evangelhos, Jesus orou  muitas  vezes,  sobretudo  em eventos importantes. Ele ensinou seus discípulos a orar, e o Novo Testamento é repleto de exortações à oração. A  oração  sempre  foi uma pedra fundamental na história da Igreja, tanto nos serviços religiosos como na vida do indivíduo cristão.
A oração é o homem falando com Deus. Ela assume uma  relação eu-tu, ou nós-tu;  em  outras  palavras,  um  vínculo  pessoal com Deus. Deus é o criador e um juiz exaltado, mas ele também é alguém que o homem pode chamar de "pai".
Para que orar? Essa é uma pergunta que  todo  cristão  fará  a  si mesmo mais cedo ou mais tarde, quando não receber uma resposta positiva a uma oração.
"Pede e receberás", disse Jesus,  mas  ele  também  ensinou  seus discípulos a dizer: "Seja feita a tua  vontade".  Na  polaridade entre esses dois sentimentos reside a compreensão cristã da oração. Podemos orar a Deus por qualquer coisa, mas Deus não pode ser forçado ou coagido como acontece nas práticas mágicas. "O objeto da oração não é conseguir a realização de nossos desejos egoístas, mas a realização da vontade de Deus" (E. Thestrup Pedersen).

O SIGNIFICADO DA ORAÇÃO
A oração mais comum expressa um  desejo,  um  anseio  de algo. O pai-nosso é um bom exemplo da amplitude dos desejos, desde    o palpável "pão nosso de cada dia" até "livrai-nos do mal".
 Uma  intercessão é uma  oração por  outras pessoas. Contraria  o egocentrismo quem reza pela família, por amigos e conhecidos. Mas ela também transcende esses limites. Jesus exortou as pessoas a "orar por seus perseguidores" e na cruz ele orou: "Pai, perdoai-os, pois eles não sabem o que fazem".
Uma oração de agradecimento é oferecida em gratidão pelo recebimento de uma graça. Um bom exemplo é a história narrada em Lucas 17,11-19: conta que Jesus curou dez leprosos  e  apenas  um  voltou para lhe agradecer.
Essas orações também são ditas para agradecer coisas pelas quais a pessoa não rezou; presentes que a pessoa sente que Deus concedeu apenas por amor: saúde, amigos, e assim por diante. A gratidão muitas vezes se transforma em louvor. Esse é um dos tipos mais comuns de oração no Novo Testamento. Paulo com freqüência inicia suas epístolas com expressões de agradecimento e louvor.
A oração e o louvor eram importantes nos serviços litúrgicos desde a aurora do cristianismo, e se tornaram parte inerente  da liturgia da Igreja. A oração desse tipo é chamada de fixa ou litúrgica. Por outro lado, existe também a oração espontânea, na qual  o  indivíduo pode usar suas próprias palavras e expressões.
Pode-se orar só ou em companhia de outras  pessoas,  durante um serviço religioso. O Novo Testamento relata que os apóstolos se reuniam para fazer orações em comum (Atos 2,42). O conselho de  Jesus para que se entrasse num quarto isolado para  orar  era  sobretudo uma advertência para não se alardear os sentimentos religiosos por meio da oração (Mateus 6,5-6).
O cristianismo não exige nenhuma atitude  física  especial  para a oração. A pessoa pode se ajoelhar, ficar  de  pé,  abaixar  a cabeça, entrelaçar as mãos ou erguê-las para o céu. Nenhum desses gestos expressa mais religiosidade do que o outro, e o próprio fiel decide qual atitude deseja adotar.

A IGREJA É A COMUNHÃO CRISTÃ
Pouco depois da morte de Jesus, as pessoas se reuniram para ouvir a história de sua vida e de seus milagres. As primeiras congregações cristãs foram assim formadas, e podemos ver no Novo Testamento que existia um grau extraordinário de  amor  e  boa vontade entre os membros desses pequenos grupos.
São essas as sementes do que hoje se chama Igreja. Porém, não há regras no Novo Testamento sobre a maneira como uma igreja deve ser formada; existe apenas a noção de Igreja.

A IGREJA É DE DEUS
Para compreender a noção de Igreja, devemos considerar o  modo como Jesus via a si mesmo. Ele se identificava como o rei prometido, o Messias. E um rei deve ter um povo. Dizendo "Sigam-me" ele estabeleceu os fundamentos da Igreja. A Igreja é, portanto, a comunhão de todos os que seguem esse chamado.
A própria palavra igreja está relacionada com o termo grego kiriaké — ou seja, a casa de Kyrios, o Senhor. Equivale à palavra ekklesia, usada no Novo Testamento para designar "as pessoas chamadas e reunidas (para o serviço divino)", a assembléia, a congregação.
Em consequência, os cristãos não creem que sua Igreja passou    a existir porque certas pessoas formaram uma organização, e sim  porque um espírito divino passou a se mover entre os homens. O Pentecostes, quando Jesus enviou seu Espírito para guiar a humanidade, costuma ser considerado o aniversário da Igreja.
A palavra igreja, portanto, está associada à comunhão com Cristo e ao companheirismo entre os adeptos. Mas é também o nome  do edifício onde as pessoas se congregam para a adoração.
Numa miríade de imagens, o Novo Testamento  explica aspectos importantes da igreja, ou do povo de Cristo. A  comunidade ou congregação pode ser comparada com uma  casa,  um  vinhedo  ou um organismo vivo. Pode-se pensar em igreja como algo ao mesmo tempo visível e invisível. A igreja é uma comunidade espiritual, é a fé da congregação cristã e nesse sentido é algo invisível. Mas é também um lugar onde se proclama o evangelho e se administram os sacramentos — algo visível. A Igreja é uma reunião não apenas de sacerdotes, pregadores e funcionários da igreja, mas de todos os que acreditam em Jesus Cristo.

A difusão do cristianismo

OS PRIMEIROS CRISTÃOS
Segundo disse Jesus, os doze apóstolos formaram o núcleo do novo reino de Deus que estava para vir. Pedro foi a figura principal entre eles. Outra figura importante foi Tiago, irmão de Jesus.
A primeira congregação cristã foi constituída por judeus. Eles obedeciam à Lei de Moisés, participavam dos serviços no Templo e na sinagoga, e de um modo geral viviam como judeus piedosos.  Sua  crença de que Jesus de Nazaré era o prometido Messias  os  diferenciava dos outros judeus. Eles foram considerados uma seita judaica separada e chamados de nazarenos, para se distinguirem dos saduceus e fariseus. No início não havia um grande abismo entre o cristianismo e o judaísmo.
De importância decisiva para a contínua difusão  do cristianismo foi a conversão do fariseu Saulo (Paulo), por volta de 32d.C.            Não é exagero dizer que os muitos anos de ministério de Paulo transformaram o cristianismo numa religião  mundial.  Sua  contribuição se deu em dois níveis: em primeiro lugar, ele viajou intensamente pelo mundo greco-romano e proclamou o evangelho de Cristo entre os não-judeus. Em  segundo  lugar,  estabeleceu  as fundações da teologia cristã em suas várias epístolas às novas  igrejas. Nas epístolas de Paulo o cristianismo é tratado como uma religião independente, e Jesus Cristo, como o salvador de todos os humanos.
Uma questão fundamental na Igreja primitiva foi a relação en- tre os cristãos judeus e os cristãos gentios (isto é, cristãos não judeus).

Estariam os cristãos gentios sujeitos a Lei de Moisés? Deveriam eles, por exemplo, ser circuncidados antes de se tornar cristãos? Nas primeiras décadas após a morte de Cristo, muitos líderes cristãos de Jerusalém, incluindo o irmão de Jesus, Tiago, acreditavam que sim. Paulo, porém, tinha um ponto de vista diferente. Ele viajara entre os "gentios" e vira como eles adotavam a fé de Cristo sem ter um conhecimento íntimo do judaísmo.

Uma só Igreja — muitas comunidades religiosas

O cristianismo hoje está dividido em muitas comunidades eclesiásticas, com diferentes organizações, doutrinas, ordens e  atitudes sociais.
 Podemos dizer que a Igreja permaneceu única e indivisa até 1054, quando se dividiu em duas, católica romana e ortodoxa. No século XVI ocorreu a Reforma protestante, quando diversas comunidades da Igreja se levantaram em protesto contra certos aspectos da doutrina e da prática da Igreja católica.  Foram  elas  a  Igreja anglicana, a reformada e a luterana.
Depois disso surgiram novas igrejas, destacando diferentes aspectos do evangelho cristão. Estas incluíam: os calvinistas, os presbiterianos, os metodistas, os batistas, os quakers (ou quacres), os pietistas etc.
 Como   a             Bíblia     não        contém                nenhum              princípio              claro      de  rientação   sobre   a   organização   eclesiástica,   cada   comunidade   da Igreja escolheu uma forma própria de se organizar. Há igrejas que dão uma ênfase particular à instituição em si; outras consideram mais importante a comunhão dos  indivíduos  que  compartilham  experiências religiosas uniformes e opiniões semelhantes  sobre questões morais e religiosas. Expressões como "Igreja  do  povo",  "Igreja livre" e "Igreja do Estado" também descrevem diferentes formas de  organização.  Essa  multiplicidade  de  formas  surge,  em  parte,  de visões distintas a  respeito de  alguns aspectos da  mensagem  da  Bíblia e, em parte, das condições históricas e culturais nas quais elas foram constituídas. Do mesmo modo, condições étnicas, psicológicas, sociológicas e geográficas desempenharam um papel nas cisões da Igreja.
Apesar de todos os contrastes, porém, a maioria das comunidades cristas têm um fundamento comum, que é a Bíblia. Além disso, a maioria aceita um — ou mais — dos credos que foram formulados nos antigos sínodos, o Credo niceno, o Credo atanasiano e   o Credo dos apóstolos.

O MUNDO CRISTÃO
Em parte por causa do lugar importante  que  as  missões tiveram no cristianismo, este se tornou a mais difundida de todas as religiões. Hoje há três ramos principais na Igreja, cada  um concentrado numa área geográfica diferente. Primeiro, a Igreja católica romana, que é majoritária no Sul da Europa e na  América Latina,  e  tem grandes minorias nos Estados Unidos e na  África;  em  seguida  vem a Igreja ortodoxa, centrada na Grécia e na Europa Oriental, e por fim as igrejas protestantes, localizadas sobretudo no Norte da Europa, nos Estados Unidos e na Austrália.

DIFERENTES TIPOS DE COMUNIDADES DA IGREJA
Com base na doutrina das diversas igrejas acerca de questões religiosas fundamentais, podemos categorizar as diferentes comunidades cristãs ou confissões (da palavra latina confessio).
*             Podemos discernir duas alas: uma tradicional e rica em  formalidade, e outra que dispensou ou perdeu grande parte de suas tradições eclesiásticas antigas ou medievais. Podemos chamá-las de ala católica e ala protestante.
Feita essa distinção, podemos dizer que a  Igreja  católica romana fica no extremo de uma ala, enquanto os batistas ficam na extremidade da outra. Entre as duas estão o anglicanismo, o luteranismo e o metodismo.

*             Outro tipo de divisão se apoia no significado do batismo. Uma Igreja que baseia a admissão de seus membros no batismo de crianças é intrinsecamente aberta e inclusiva. Ela deseja abranger a  todos,  e  tem sacramentos, clérigos e serviços divinos que são caracterizados em maior ou menor grau pela liturgia.
As igrejas que não praticam o batismo de crianças são por natureza excludentes e se destinam apenas aos que creem. Tornar-se membro delas depende de uma filiação voluntária e, com freqüência, de um ato de confissão, do batismo na idade adulta ou de um testemunho pessoal.
Uma Igreja desse tipo geralmente não tem sacramentos nem sacerdócio.
*             A terceira maneira de categorizar se fundamenta naquilo que cada Igreja mais enfatiza, por exemplo, a organização {constituição da Igreja), a doutrina, os serviços divinos. O luteranismo é particularmente pegado à doutrina, a Igreja católica romana destaca a constituição a Igreja, ao passo que o serviço litúrgico é o ponto focai da Igreja ortodoxa.


A Igreja católica romana

ABRANGÊNCIA
A Igreja católica romana é a maior de todas as igrejas. Existem cerca de 1 bilhão de cristãos no mundo. Aproximadamente metade deles pertence ao catolicismo.

ORGANIZAÇÃO
Uma das organizações mundiais mais fortes e mais rigidamente estruturadas, a Igreja católica é governada por leis estabelecidas com precisão. Sua hierarquia, composta pelo papa, pelos bispos e padres, possui grande autoridade sobre a camada inferior, os leigos.

O PAPA
A posição proeminente do papa como líder de todos os fiéis se baseia no fato de que ele é o sucessor do apóstolo Pedro.
As palavras de Jesus a Pedro: "E sobre esta pedra edificarei a minha igreja" foram gravadas em ouro no domo da catedral de  São Pedro em Roma.
Em 1870, foi proclamado o dogma da infalibilidade do papa em questões de fé. Em tais casos — na prática aconteceu apenas duas vezes —, diz-se que o papa fala ex cathedra, isto é, de cadeira. Isso não  significa  que  o  papa  esteja  isento  de  pecado;  ele  também  deve  se confessar   regularmente.   Tampouco   ele   pode   introduzir   uma  nova doutrina. Mas ele tem a autoridade para decidir se algum assunto está em conformidade com a Bíblia e com a tradição eclesiástica. Ele não toma essas decisões sozinho, e sim junto com os bispos. O papa é igualmente um bispo, o bispo de Roma. Em tempos antigos ele tinha grande poder temporal bem como espiritual e no decorrer da história  já houve muitos conflitos agudos entre a Igreja e o Estado. O papa continua sendo o chefe de um pequeno Estado, o Vaticano, que tem  sua própria moeda, polícia, estação de rádio, seu próprio correio  e  corpo diplomático.

BISPOS E PADRES
Assim como o papa é o sucessor de são Pedro, os bispos seguem as pegadas dos apóstolos. Desde o tempo dos primeiros  apóstolos,  novos líderes clericais foram ordenados pela imposição das mãos,  e essa tradição (a sucessão apostólica) perdura até hoje.
Uma das funções mais importantes de um bispo é ordenar padres em sua diocese. A principal tarefa de um padre é dirigir sua paróquia ou comunidade, pela pregação e pelo serviço divino, sobretudo pela administração dos sacramentos.  Embora a participação ativa dos leigos na Igreja católica romana tenha aumentado em anos recentes, os  padres  ainda  ocupam  uma  posição de maior autoridade nesta igreja do que nas outras. Antes de mais nada, os padres têm autorização especial para pregar a Palavra e administrar os sacramentos (considerados manifestações visíveis da graça de Deus). Os padres são investidos dessa  autorização  quando  seus bispos os ordenam (sacramento da ordem).
Como vemos, a organização estrita da Igreja católica não é coincidência. Ela é vista como algo iniciado pelo próprio Jesus e como uma expressão visível do reino de Deus aqui na  terra.  Os  padres devem dedicar sua vida a Deus, à Igreja e à humanidade. Por  essa razão, não podem se casar e constituir família (celibato).
As mulheres não têm permissão de exercer o sacerdócio  na  Igreja católica. Hoje, é um assunto em discussão, principalmente nos Estados Unidos, e já se ressaltou que não existe qualquer fundamento bíblico para tal proibição, apenas razões culturais e tradicionais.

A IGREJA ÚNICA, SANTA, CATÓLICA, APOSTÓLICA
Os católicos ensinam que  a  Igreja  tem  quatro características que também distinguiram a primeira Igreja cristã.
*             Ela é una. Fiéis à Palavra de Jesus acerca da unidade, os apóstolos se esforçaram para garantir que todos os cristãos aprendessem a mesma fé e a mesma maneira de viver uma vida cristã. A expressão "Igreja una" significa ainda que existe apenas uma única e verdadeira Igreja , e não várias.
*             Ela é santa. O catecismo católico diz: "A Igreja é santa porque  ensina uma doutrina santa e oferece a todos os meios para a santidade, sacramentos".
*             Ela é católica. Isso quer dizer que ela é universal, mundial, para todos. Os primeiros cristãos atenderam o pedido de Jesus para levar o evangelho a todas as pessoas, e a Igreja continua enviando  missões para o mundo inteiro.

* Ela é apostólica. Ela é comandada por pessoas que  são  os sucessores dos apóstolos, permanecendo fiéis a doutrina deles.

OS FUNDAMENTOS: A BIBLIA E A TRADIÇÃO
Naturalmente, é na Bíblia que a Igreja católica baseia, em  grande medida, sua vida e seu dogma. Porém, a Bíblia é vista à luz da Tradição, isto é, da doutrina e dos costumes que foram transmitidos pela Igreja desde a época dos apóstolos. Evidentemente,  a  Tradição não é a transferência mecânica do legado oral  deixado  pelos  apóstolos, e sim o desenvolvimento constante do potencial que existe no evangelho. Com a ajuda do Espírito Santo, a Igreja será capaz de compreender e revelar a mensagem de Deus de maneira  cada  vez  mais clara. Mas o que quer que se entenda por "Tradição", há uma crença católica comum que diz que apenas a Igreja, e não o crente como indivíduo, pode definir o que é Tradição.
Com base nisso é possível compreender as palavras do  catecismo católico: "Esta transmissão viva realizada no Espírito Santo    é chamada de Tradição, uma vez que é distinta  das  Escrituras Sagradas, embora intimamente ligada a elas. Através da Tradição, a Igreja, em sua doutrina, em sua vida e sua adoração perpétua, transmite a cada geração tudo aquilo que ela é, tudo em que ela acredita".

A noção católica de salvação

A Igreja católica mantém uma série de doutrinas importantes em comum com outras igrejas cristãs. Das escrituras fundamentais, as principais são a Bíblia e os três Credos antigos. Examinaremos agora dois aspectos nos quais a visão católica difere da visão das outras igrejas: a salvação e os sacramentos.

SALVAÇÃO
O ponto de partida é a visão católica de humanidade: o homem foi criado à imagem de Deus, e portanto tem  uma  alma  eterna e o livre-arbítrio. O homem abusou de seu livre-arbítrio desobedecendo a Deus, e sua vontade o pôs no caminho errado, um caminho que o afasta de Deus e da vontade de Deus. Essa queda do estado de graça perseguiu o homem desde então, sob a forma  de pecado original. O livre-arbítrio foi reduzido, mas continua existindo. Depois da queda, o homem conservou a capacidade de fazer boas ações, e estas são um pré-requisito para obter a salvação. Mas  o  homem não pode redimir a si mesmo.
É por meio de Cristo que o homem pode ser salvo — por meio   da vida de Cristo, com sua obediência a Deus, por meio de  sua  expiação, seu sacrifício na cruz e sua ressurreição.
Deus, porém, não impõe sua redenção ao homem. O homem deve aceitar a salvação acreditando na Palavra de Deus como  é  pregada peta Igreja. A salvação é vista como  uma  ação  conjunta  entre Deus e o homem. Tanto a fé como a  salvação  pressupõem  a  graça de Deus. Os sacramentos transmitem essa graça. Deles os  católicos recebem a força para viver de acordo com a vontade de Deus. Mas a redenção final vem apenas após a morte. Esta vida terrena é só uma preparação para ela.

OS SETE SACRAMENTOS
Os sacramentos são os sinais visíveis  de  que  Deus  concede sua graça aos humanos. Normalmente quem os administra é um bispo ou um padre. Devem ser recebidos "com merecimento" (exceto o batismo de crianças), isto é, na fé e na vontade de amar a Deus e  a  seus semelhantes. A Igreja católica tem sete sacramentos.
1.            Batismo. A Igreja católica romana batiza as criancinhas. O batismo é o sacramento básico: por meio dele a criança entra para a Igreja e recebe a graça abençoada.
2.            Confirmação, ou crisma.  Costuma  ser  administrada  por  um bispo quando a pessoa tem por volta de doze anos e já recebeu uma instrução completa na doutrina da Igreja. A cerimônia da confirmação é realizada em geral perto de Pentecostes. O clímax é a unção com óleo.
3.            A eucaristia. E uma parte do serviço divino e consiste em pão e vinho, mas por motivos práticos era comum até recentemente que os comungantes recebessem apenas o pão consagrado, ou hóstia. Hoje é cada vez. mais comum que elas recebam também o vinho. Quando o padre lê as palavras iniciais da eucaristia, faz isso em nome de Jesus, como se o próprio Jesus estivesse presente. A Igreja católica afirma que o pão e o vinho se transformam realmente no sangue e  no corpo de Jesus Cristo, e que, portanto, este se encontra em íntima proximidade de nós na eucaristia. A aparência, o odor, e o sabor  do pão e do vinho permanecem iguais, mas aquilo que os filósofos denominam "substância" se altera. Essa doutrina é conhecida como transubstanciação {ou seja, "alteração da substância").  A  cerimônia da eucaristia proporciona aos crentes a participação no sacrifício de Jesus no Gólgota. Trata-se da cerimônia de um sacrifício, no qual Cristo é oferecido em expiação a Deus pelos pecados. Por essa razão a eucaristia também é chamada de sacrifício da missa. Os que tomam parte nessa cerimônia recebem a remissão de seus pecados em conseqüência da morte sacrificial de Jesus.
Outro termo para "eucaristia" — comunhão — expressa mais um  aspecto importante desse sacramento: a união da comunidade reunida  para uma refeição comum.
As hóstias consagradas que costumam restar após a eucaristia são guardadas num recipiente especial,  o  tabernáculo,  junto  ao  qual  se acende uma lâmpada vermelha. Os fiéis se ajoelham e reverenciam seu conteúdo como se fosse o Cristo vivo em forma de hóstia. Uma vez por  ano, na festa de Corpus Christi, a hóstia é levada solenemente em procissão pelas ruas.
4.            Penitência. O sacramento da penitência consiste em confissão, absolvição e atos de contrição.

Na confissão os pecados são relatados a um padre, que concede o perdão (absolvição) ao contrito. Isto não significa que seja o padre quem o está perdoando; ele simplesmente lhe transmite o perdão de Deus. Para que esse sacramento seja válido, o penitente deve sentir remorso e intenção sincera de não voltar a cometer o pecado. O padre estipula atos de contrição, que em épocas antigas eram muito severos. Hoje, incluem orações, jejum ou esmolas por caridade.
5.            Unção dos enfermos, O padre unge a pessoa doente na testa e nas mãos enquanto diz: "Que o Senhor te assista pela graça do Espírito Santo, para que sejas libertado de teus pecados. Que, em sua bondade, ele possa te salvar e te levantar".
A unção se destina a dar aos doentes força espiritual e consolo durante a enfermidade. Só são ungidos os que estão gravemente doentes ou muito fracos. Antes, chamava-se esse  sacramento  de  "extrema-unção",  pois era ministrado sobretudo aos moribundos.
6.            Ordem. Ordenação  para  o  status  clerical.  A  ordenação  dos  padres ê realizada por um bispo, utilizando-se de orações e da imposição das mãos. Ela concede  o  direito  de  administrar  os  sacramentos  da  Igreja. A instituição do sacerdócio,  segundo os  ensinamentos católicos, deveu-  se à instituição da eucaristia.
7.            Matrimônio. Aqui o elemento crucial  não  é  a bênção  do  padre,  mas os votos mútuos que fazem o noivo e a noiva na presença  de  um  sacerdote e de testemunhas. Os católicos consideram o matrimônio indissolúvel e não reconhecem o divórcio. Porém, quando não  são seguidos os critérios para um casamento adequado, pode-se anulá-lo. Uma encíclica papal de 1968 desencorajou o uso  de  anticoncepcionais  artificiais, mas essa orientação não obteve aceitação universal na Igreja católica. O uso dos anticoncepcionais em geral é determinado por considerações culturais.
Sacramentais é o nome dado aos meios adotados pela Igreja de implorar pelas bênçãos de Deus. Podem ser símbolos, cerimônias ou objetos consagrados que despertam a devoção no fiel, por exemplo: abençoar um doente ou uma criança; rosários, crucifixos e medalhas; água (água benta), cinzas (na Quarta-Feira de Cinzas), folhas de palmeira (no Domingo de Ramos), velas (no dia 2 de fevereiro) e fogo (véspera da Páscoa).
Diferentemente dos sacramentos, os sacramentais não foram introduzidos por Jesus, e sim pela Igreja. Além disso, não se tornam efetivos em virtude de um poder divino inato, como ocorre com os sacramentos, mas graças às orações coletivas e particulares dos fiéis.

A MISSA
O serviço divino desempenha um papel fundamental na Igreja católica romana. Segundo o catecismo católico, o fiel deve assistir à missa todo domingo. Além da missa, há outros tipos de serviço, como   as horas canônicas, assim chamadas porque desde os tempos mais antigos sempre foram pronunciadas em horários determinados do  dia. É  particularmente nos mosteiros que se faz esse tipo de oração, a qual    é dita como uma antífona (com perguntas e respostas), às vezes pelo padre e pela congregação, mas com mais freqüência pelos monges, padres, freiras etc. entre si. Em geral se compõe de salmos de Davi, hinos e trechos da Bíblia.
A missa solene costuma ser celebrada no domingo de manhã, e começa com a entrada do padre e dos coroinhas em procissão.  As  partes da missa correspondem, usualmente, às do serviço luterano: confissão dos pecados, glória (Glória a Deus nas alturas), o sermão, o Credo e o clímax, que é a eucaristia. O  padre e  suas ações no  altar são o ponto focai para a assembléia; isso, porém, não significa que ela seja passiva. Os fiéis participam cantando, ajoelham-se, fazem o sinal-da- cruz e são atingidos pelo apelo sensorial abrangente das cerimônias simbólicas: a água benta, o incenso, o beijo da paz, as cores litúrgicas,   a música.

Características distintivas: o povo de Deus, a Virgem Maria e os santos

Os católicos acreditam que "o povo de Deus", a grande comunidade de todos os crentes, a "comunhão dos santos", inclui não apenas os vivos, mas também os mortos, isto é, os que sofrem no purgatório e os bem-aventurados no céu.
A doutrina de que os mortos são purificados no purgatório  antes de ser salvos tem raízes na Igreja antiga. Baseada em certas passagens bíblicas, afirma que as almas  destinadas  à  bem-  aventurança mas que não estavam inteiramente puras  quando deixaram a terra, devem passar por um fogo purificador.
Esse fogo não deve ser compreendido literalmente, e sim como uma purificação espiritual. Os crentes na terra podem abreviar  o  tempo passado pelos mortos no purgatório dizendo orações que intercedem por eles. Os mortos são lembrados num dia  especial  do ano, chamado Dia de Finados (dia 2 de novembro, um dia depois do  Dia de Todos os Santos).
Os crentes dirigem suas orações pelas almas não só a Cristo,  mas também à Virgem Maria e aos santos, já que estes estiveram especialmente próximos a Cristo. Isso explica o importante papel que os santos desempenharam na Igreja católica. Os crentes os honram e reverenciam, e oram por sua intercessão, porém não os adoram.
Imagens e estátuas da Virgem Maria e do Menino Jesus se encontram por toda parte em países católicos — nas igrejas,  nas  paredes das casas, à beira das estradas. Depois do pai-nosso, a oração mais comum é a ave-maria:
Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco,
bendita sois vós entre as mulheres, bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, mãe de Deus,
rogai por nós, pecadores,
 agora e na hora da nossa morte,
amém.

Em épocas recentes o lugar da Virgem Maria na doutrina da Igreja vem se definindo com mais precisão. Durante os últimos  150 anos, os papas anunciaram que ela é livre de pecado  original (Imaculada Conceição), e que seu corpo e sua alma foram levados para  o céu (Assunção). Essa doutrina dos  católicos  romanos  se  baseia  numa tradição cristã muito antiga.
Os santos são pessoas que dedicaram a  vida a  honrar a  Deus  de maneira excepcional, por exemplo, morrendo como mártires ou fazendo milagres. Até o ano de 1172, os bispos podiam decidir  se  alguém deveria ser canonizado; mas a partir de então  o  papa  é  o  único que tem autoridade para isso. A canonização    ocorre  depois de longas e exaustivas investigações sobre a vida do indivíduo que irá recebê-la. Há igrejas e capelas que levam o nome de santos. Desde épocas medievais várias profissões têm seu  santo  padroeiro,  e  cada dia do ano leva o nome de um dos santos do dia, geralmente com um nome dominante.

MOSTEIROS E ORDENS
O sistema monástico se desenvolveu há muito tempo na antiga Igreja, com base na vida dos eremitas. Há inumeráveis ordens de monges e de freiras, todas com regras diferentes. Algumas são introspectivas e dão grande importância à oração e  à  meditação;  outras têm interesse especial em pregar e participar de  debates públicos; outras realizam trabalho  missionário;  outras,  ainda, dedicam a vida a servir na área social. São comuns a todas elas três exigências básicas que devem ser cumpridas durante toda a vida, a saber, os votos de pobreza, celibato e obediência aos superiores da ordem.

Renovação católica — o concilio do Vaticano

Desde a década de 1960 a Igreja católica vem passando  por  uma vibrante renovação. O papa João XXIII foi, em parte, o inspirador desse movimento, quando em 1962 organizou um encontro geral dos bispos, ou concilio, no Vaticano.
Uma das decisões cruciais ali tomadas foi que os serviços não mais deveriam ser realizados em latim, mas na língua do país onde fossem celebrados.
Além disso, houve um apelo para que se lesse a Bíblia, de preferência numa tradução moderna, e foram organizados grupos de estudos bíblicos para os leigos. Depois da Reforma protestante, a Igreja havia cessado de incentivar a leitura da Bíblia entre  os  leigos,  temendo que isso pudesse levar a ensinamentos errôneos e a tendências heréticas.
O relacionamento da Igreja católica com outras igrejas também vem se modificando durante os últimos anos. Ela não rejeita mais o contato com as outras, tomando parte em muitas atividades ecumênicas. A Igreja católica não é membro do Conselho Mundial de Igrejas, mas envia observadores a suas assembleias. Ela vem participando de numerosos diálogos com outras igrejas e religiões acerca de  questões humanas comuns como o casamento, a migração   de trabalhadores, o contraste entre países ricos e países pobres.

A Igreja ortodoxa

ABRANGÊNCIA
A Igreja ortodoxa costuma ser conhecida também como Igreja ortodoxa oriental, já que tinha sua sede no Oriente Médio, por oposição à Igreja ocidental, cujo centro era em Roma.  A  Igreja  ortodoxa se difundiu a partir de  Jerusalém  e  Istambul  (Constantinopla) pela Bulgária, Romênia, Grécia e Rússia, onde hoje tem seu baluarte. Além disso, há em torno de 5 milhões de ortodoxos nos Estados Unidos, resultado da imigração da Europa Oriental. Em razão das condições políticas, não se sabe com exatidão o número de pessoas que pertencem atualmente à  fé ortodoxa, mas se estima que  os fiéis totalizem cerca de 150 milhões.

ORGANIZAÇÃO ECLESIÁSTICA
Desde o início houve diferenças e desacordos entre a Igreja ocidental, de fala latina, e as igrejas orientais, que não queriam reconhecer a supremacia do papa. O rompimento com Roma acabou ocorrendo em 1054. As igrejas ortodoxas não têm nenhum chefe ou liderança em comum; são autônomas e independentes.  Cada  uma  delas é dirigida por um patriarca.
Na Grécia, onde toda a população adota a fé ortodoxa, ela se tornou a Igreja estatal. Na Finlândia, país que conta com 75 mil cristãos ortodoxos, ela também é Igreja estatal, juntamente com a luterana.
Por causa de seus fortes laços com o regime czarista, a Igreja ortodoxa russa foi muito perseguida depois da Revolução de 1917.
O sacerdócio é composto de diáconos, padres, bispos, arcebispos, metropolitas e patriarcas. O celibato é obrigatório apenas para  os bispos, não para os padres — embora o casamento deva  ocorrer antes da ordenação. A Igreja ortodoxa tem claustros  e  monges,  mas não possui ordens separadas, independentes, como a Igreja católica. Cada claustro tem sua própria ordem e está sob a jurisdição do bispo local.

OS FUNDAMENTOS: A BÍBLIA E A TRADIÇÃO
O fundamento da doutrina ortodoxa é a Tradição, conforme revelada na Bíblia e nos pronunciamentos dos primeiros sete concílios ecumênicos {de 325 a 789). O mais importante de todos é o  Credo niceno — a mais alta expressão da fé ortodoxa.
Para a Igreja ortodoxa, porém, a Tradição não é simplesmente um conjunto de doutrinas, mas, em suas próprias palavras, "a corrente viva que flui através do passado e do presente da Igreja,  sempre pulsando e sempre se renovando".

A NOÇÃO CATÓLICO-ORIENTAL DE SALVAÇÃO
A Igreja ortodoxa costuma ser chamada de Igreja da Ressurreição, em virtude de sua ênfase na ressurreição de Cristo. O fundamental é que Cristo, ao mesmo tempo plenamente humano e totalmente divino, traz a salvação com sua vitória  sobre  a  morte.  Essa vitória transformou a natureza do homem em algo celestial. A ideia de que o homem é destinado à divindade, destinado a ser preenchido pela presença de Deus, tem um lugar importante na doutrina dessas igrejas.
Isso começou quando Cristo desceu à  terra  e  "tornou-se homem para que nós possamos nos  tornar  divinos"  (Atanásio,  c. 300).

OS SACRAMENTOS

Existem sete sacramentos, mas tudo o que a Igreja faz é considerado sacramentai. O batismo de crianças é muito difundido e com freqüência imediatamente seguido da  santa  crisma  (confirmação). Por esse motivo as crianças também participam da eucaristia. É ortodoxa a crença de que o pão e  o  vinho  se transformam no sangue e no corpo de Cristo pelo poder do Espírito Santo.

O Juízo FINAL
Quanto ao Juízo Final, geralmente se faz uma distinção entre os salvos e os condenados; porém, muitos fiéis ortodoxos se afastaram da doutrina da perdição eterna. Eles seguem a indicação de um antigo padre da Igreja, Orígenes, que falou da "redenção de todas as coisas" (apocatástase), ou seja: todas as pessoas serão salvas no final, até mesmo Satã e seus anjos. Essa doutrina foi criticada num concilio da Igreja em 553, mas, trazida novamente à tona por vários teólogos ortodoxos contemporâneos, não foi tachada de herética pela Igreja.

SERVIÇO DIVINO
A fim de compreender o serviço, é necessário primeiro nos familiarizarmos com o próprio edifício da Igreja, que é construído  como o Templo de Salomão, em Jerusalém. Entra-se primeiro num vestíbulo, que contém a pia batismal, símbolo de que o ingresso  na Igreja se faz mediante o batismo.
Em seguida vem a nave, onde a congregação se posta durante o serviço. Oculto atrás de um biombo fica o santuário, que corresponde  ao Santo dos Santos no Templo judaico do Antigo Testamento. Apenas o padre tem permissão de entrar  nesse  santuário,  mas  quando as portas estão abertas a congregação  pode  ver  o  que acontece ali.
O biombo se chama iconostas (parede de imagens), porque é coberto de pinturas religiosas, ou ícones, tão característicos da Igreja ortodoxa. São imagens de Jesus, da Virgem Maria e dos apóstolos, santos e anjos. O fiel ortodoxo acredita que Deus se revela por  meio  dos ícones. Essas imagens, que também se encontram nos lares, são usadas na meditação.
O serviço ortodoxo já impressionou muita gente com  sua  beleza. Há procissões com luzes e incenso; velas são acesas e apagadas; as pessoas se ajoelham e beijam os ícones. A música, em sua  maior parte, é cantada por um coro, sem acompanhamento  instrumental, que utiliza uma forma arcaica da linguagem vernácula.
O  mais importante, porém, não são esses aspectos externos,    e  sim o que eles representam. O serviço é uma reafirmação simbólica  de toda a história da salvação, desde a criação, passando  pela natividade e pela morte de Jesus, até sua ressurreição.
O dia da igreja começa às seis da tarde e  é  preenchido pelo  ciclo do serviço divino: serviço da noite, serviço da manhã e liturgia (missa). No início do serviço da noite, a criação do mundo  é  simbolizada quando o padre entra na nave inteiramente iluminada, com  o  acompanhamento de trechos dos Salmos de Davi. Quando ele  se retira e fecha a porta do iconostas, as luzes  se  apagam,  como  símbolo da queda do homem e da porta fechada do paraíso.
Mais tarde, a volta do padre,  que,  junto  com  seus  assistentes, caminha pela nave com velas e incenso, no início da liturgia, simboliza que Cristo nasceu e está iluminando o  caminho para o homem.
O clímax da liturgia é a eucaristia. Primeiro o pão e o vinho     são consagrados no santuário, e o padre e o diácono recebem o sacramento no altar. Abre-se então a Porta Real, o par central de portas duplas no iconostas. A congregação avança e fica em pé para receber o corpo e o sangue de Cristo.
Por causa da ênfase que a Igreja ortodoxa dá à ressurreição de Cristo, seu serviço anual mais relevante é o  que se  realiza na  noite  do domingo de Páscoa.
A importância do serviço divino está ligada à compreensão da fé, uma compreensão baseada sobretudo no Evangelho  de  São  João.  A fé não nasce da especulação nem do estudo, mas da imersão no grande mistério da cristandade. E isso se encontra em primeiro lugar no serviço ortodoxo.

A Reforma protestante
No século XVI uma grande revolução eclesiástica ocorreu na Europa Ocidental, levando a mudanças consideráveis  na  esfera  religiosa que, durante todo o período medieval,  estivera  sob  o domínio da Igreja católica. Essa revolução nas mentalidades teve  tanto causas políticas como religiosas. Muitos monarcas estavam insatisfeitos com o enorme poder que o papa exercia no mundo, ao mesmo tempo que muitos teólogos criticavam a doutrina e as práticas da Igreja, sua atitude para com a fé e seu feitio organizacional. Ideias e razões distintas deram origem a diversas comunidades eclesiais novas.

*             Na Inglaterra, o rei Henrique VIU rompeu com o papa porque este se negou a lhe dar permissão para que se divorciasse, O rei se tornou, então, chefe da Igreja da Inglaterra. Não houve cisma, mas a Igreja da Inglaterra aos poucos foi adotando várias das ideias da Reforma. Hoje, o  anglicanismo é uma Igreja que engloba diferentes tendências e até mesmo seitas, algumas com uma noção quase católica do serviço divino e outras que se baseiam mais no puritanismo e nos novos movimentos e surtos de reavivamento.
*             Foi um monge alemão, Martinho Lutero, o maior responsável por esse conflito teológico. Ele deu forte destaque à fé e à palavra (a Bíblia), como os elementos mais significativos. Diversos príncipes eleitores, nobres governantes alemães, insatisfeitos com o poder do papa, apoiaram Lutero e transformaram as igrejas de seus próprios domínios em igrejas estatais, partindo do princípio de que a religião do eleitor também era a de seus súditos.
*             Os reformadores suíços Calvino e Zuínglio defendiam um rompimento mais radical com o catolicismo. Davam menos valor ao batismo e à eucaristia do que os católicos e os luteranos, mas  julgavam vital mexer na organização da Igreja. Queriam seguir aquilo que consideravam os preceitos do Novo Testamento. A Igreja é dirigida por representantes eleitos que, juntamente  com  os ministros, constituem a Assembléia Gerai. Esta é conhecida como presbitério (da palavra grega que significa "conselho de anciãos"), e por isso a Igreja reformada é chamada presbiteriana.  Essa  Igreja logo se tornou a principal seita protestante  em  países  cujos soberanos não instituíram o cristianismo como religião do Estado; por exemplo, Holanda, Suíça e Escócia.


A Igreja luterana

ABRANGÊNCIA
O fundador da Igreja luterana, Martinho Lutero (1483-1546), era alemão, e hoje, na Alemanha, a Igreja luterana é a mais importante, ao lado do catolicismo romano. É apenas nos países escandinavos que predomina o luteranismo (mais de 90% da população).  Quando imigraram para os Estados Unidos, os escandinavos e alemães difundiram sua fé, e atualmente, com 6 milhões de adeptos, os luteranos constituem a quarta maior comunidade eclesiástica dos Estados Unidos. O trabalho missionário dos luteranos durante os últimos 150 anos também estabeleceu muitas igrejas missionárias no mundo todo; a maior delas é a Igreja batak, na Indonésia. A Noruega tem duas igrejas luteranas: a Igreja da Noruega e a Igreja luterana evangélica livre.

ORGANIZAÇÃO

"A Igreja é a assembléia de santos na qual o evangelho é ensinado de maneira pura e os sacramentos administrados de maneira correta."
Essa definição luterana da Igreja dá mais ênfase à missão da Igreja do que a sua organização prática.
A Igreja de Cristo é invisível e pode facilmente incluir pessoas  de várias igrejas. O que é crucial não é a união de pessoas que compartilham as mesmas opiniões, e sim o fato de  que  o  próprio  Cristo fala e age utilizando as palavras e o  sacramento  que  ele instituiu. Assim, o serviço divino é o verdadeiro eixo da Igreja.
Um ministro luterano não ocupa a mesma posição especial em relação aos leigos que seu correspondente católico. Lutero distinguiu entre o sacerdócio universal e o ministério clerical especializado.
O sacerdócio universal significa que, mediante o batismo e a fé, cada cristão se torna seu próprio sacerdote, não precisando, portanto, de nenhum intermediário quando se aproxima de Deus em suas orações.
O ministério clerical é muito diferente. Foi estabelecido por Deus a fim de pregar o evangelho e administrar os sacramentos.  A  ordenação não concede ao sacerdote nenhum atributo especial. Ele é um cristão comum que recebeu uma posição especial dentro da Igreja.

MULHERES PASTORAS
O sacerdócio ministerial nas igrejas protestantes foi exclusivamente masculino até o século XX. Certas igrejas luteranas alemãs empregaram pastores do sexo feminino desde a  década  de 1920. Na Suécia, a proibição constitucional do sacerdócio feminino foi abolida em 1945, na Dinamarca em 1947 e na Noruega já em 1938, mas  com  a  restrição de que uma mulher não deveria ser nomeada se   a congregação se opusesse a isso por princípio. Essa cláusula  foi anulada em 1956.

AS MULHERES NA VIDA PAROQUIAL
As mulheres sempre foram importantes na vida oficial da Igreja e em muitas organizações voluntárias, como, por exemplo, as sociedades missionárias. Entretanto, o papel por elas desempenhado tem sido secundário. Os homens vêm ocupando as posições  de liderança e em certas organizações apenas eles ainda têm permissão de assumir cargos administrativos e também de pregar. Isso se deve ao sistema patriarcal que impregnou a Igreja até agora. Muitas vezes, cita- se Paulo quando se quer falar na subserviência das mulheres aos homens (Efésios 5,22-24; Colossenses 3,18).

IGREJA ESTATAL
Desde o início, no século XVI, as igrejas luteranas foram instituições estatais. O chefe da Igreja era o próprio soberano, que nomeava os funcionários para administrá-la. As principais características desse sistema sobrevivem até hoje em algumas igrejas; por exemplo, na Noruega. Contudo, na Alemanha a Igreja e o  Estado  se separaram em 1919, e nos Estados Unidos as igrejas luteranas sempre foram independentes, assim como todas as outras comunidades religiosas. Na Noruega é o rei —  na  realidade,  o  governo — quem tem autoridade suprema sobre a Igreja e nomeia os padres e os bispos. Em épocas mais recentes o Conselho Episcopal, os capítulos diocesanos e o sínodo receberam maior autonomia, sobretudo em assuntos práticos. Por exemplo, o direito de nomear padres deve ser dado à Igreja, não ao governo.

OS FUNDAMENTOS: SÓ A BÍBLIA
Enquanto o fundamento da Igreja católica é a Bíblia mais a Tradição, o princípio luterano é que a autoridade deriva apenas da Bíblia. Lutero se rebelou contra diversos preceitos na Igreja católica porque sua consciência o forçou a isso. Ele acreditava que sua consciência estava sendo guiada pela Palavra de Deus, isto é, pela  Bíblia.
Até mesmo Lutero sabia que não bastava simplesmente se  referir à Bíblia, pois as pessoas a interpretam de diferentes maneiras. Ele acreditava que era essencial estudá-la profundamente em suas línguas originais, hebraico e grego, e isso continua fazendo parte do treinamento dos pastores luteranos.
Tal estudo irá revelar a essência e o cerne do cristianismo: a salvação pela fé em Cristo. Tudo o mais na Bíblia deve ser visto à luz desse princípio orientador. Portanto, não basta basear um dogma ou uma prática eclesiástica em uma ou duas passagens das escrituras; é preciso que estejam em harmonia com o princípio central. Outra implicação disso é que nem todas as partes da Bíblia são igualmente significativas.
Depois de certo tempo os líderes da Igreja tentaram formular   as doutrinas mais relevantes, apoiando-as nesse princípio luterano fundamental. Isso resultou numa série de confissões que resumem a doutrina luterana. A principal delas foi a Confissão de Augsburgo (Augustana).

A NOÇÃO LUTERANA DE SALVAÇÃO: "SOLA FIDE"
O artigo mais importante da Augustana diz: "Nossa Igreja também ensina que os homens não podem se justificar perante Deus pela sua própria força, seus méritos ou suas obras, mas são  plenamente justificados pelo amor de Cristo por meio da fé, quando crêem".
Isso resume o princípio luterano básico da salvação ou justificação só pela fé.
O homem é pecador e por si mesmo não pode se libertar do pecado. O fato de praticar boas ações e seguir os ensinamentos  da  Igreja não o torna digno da salvação.
Por causa de seu pecado o homem merece  punição,  mas  o  Deus de bondade retira o castigo, absolve o homem. É o que quer dizer   a palavra justificar.  Isso  acontece porque  Cristo toma para si todos  os pecados do homem e sofre em seu lugar.
Nesse caso, Deus está amorosamente oferecendo  a  salvação  que o homem pode aceitar por meio da fé. Mas mesmo a    não  é  uma conquista; não basta simplesmente aceitar um conjunto de doutrinas. Deve-se acreditar na graça de Deus, na compaixão divina.

OS SACRAMENTOS
Segundo os ensinamentos luteranos, um sacramento  é  "um  ato constituído por Cristo, no qual Deus, por meio de um sinal visível, concede uma graça invisível". A justaposição de "palavras a sacramento" é comum na Igreja luterana, para sublinhar que ambos são fundamentais para a Igreja e para o indivíduo. A Igreja luterana reconhece dois sacramentos: o batismo e a eucaristia.
*             Batismo. O batismo leva o indivíduo à comunhão com Deus, torna- o um "filho de Deus". Diferentemente de outros reformadores, Lutero manteve o batismo de crianças, porque ele realça a  ideia  de  que  Deus está dando um presente ao homem, o qual nada fez para merecê-lo. "Aquele que crer e for batizado será salvo"  (Marcos 16,16).
*             Por esse motivo a Igreja luterana tem feito muito esforço para educar num modo de vida cristão os que são batizados {escolas dominicais, aulas de religião nas escolas, aulas de primeira comunhão).
*             A eucaristia. A visão que a Igreja luterana tem da eucaristia está a meio caminho entre a dos católicos e a de outros protestantes. Ela não adota o ponto de vista cristão de que o pão e o vinho se transformam realmente no corpo e no sangue de Jesus, mas também não aceita a convicção alternativa de que o pão e o vinho são apenas símbolos. Lutero diz que o corpo e o sangue de Cristo estão de fato  presentes mas que os elementos da eucaristia são meramente pão e vinho.
Para Lutero, o crucial na eucaristia é o perdão  dos  pecados  concedido por Deus, como se destaca nas palavras iniciais desse sacramento.

A vida: um dom e um dever

Lutero pensava que a vida é um dom de Deus. A abundância que há no mundo é parte da criação desse mesmo Deus, que com seu ato salvífico mostrou seu amor pelos homens. Lutero rejeitava um estilo de vida ascético. A gratidão pela vida e a alegria de viver devem caracterizar um cristão. Em particular, o alto valor dado ao casamento e ao lar tem sido um ponto característico do luteranismo.
Mas a vida é também um dever. Lutero desenvolveu sua doutrina da ética vocacional em torno dessa ideia. Com "vocação" ele quis dizer "posição social e trabalho". Quando um indivíduo realiza sua vocação terrena conscienciosamente, com toda a sua capacidade, presta um serviço a Deus. A Igreja vem imitando Lutero,  pregando,  por  exemplo, que uma vocação cívica é um ato de devoção.

SERVIÇO DIVINO
A Palavra é e em todo o tempo foi central no serviço luterano.   O sermão ocupa um lugar importante, já que deve revelar à congregação a Palavra de Deus. Os hinos, cantados na  língua vernácula (não em latim), sempre foram significativos, e o próprio Lutero escreveu e traduziu muitos deles. O serviço também  vem  sendo celebrado na linguagem de uso diário desde a época de Lutero. Além disso, os luteranos conservaram muito mais do antigo serviço católico do que outros protestantes. A decoração das igrejas é quase idêntica à católica, exceto pela ausência de imagens da Virgem e dos santos. O ano eclesiástico é organizado da mesma maneira, e o serviço divino segue o padrão básico.

Movimentos reformados radicais

As principais denominações protestantes que surgiram da Reforma foram a Igreja luterana e a Igreja reformada. Mas já no século XVI existia uma ala mais radical que desejava formar suas próprias igrejas "puras".

BATISMO DE CRIANÇAS VERSUS BATISMO DE ADULTOS
A característica mais importante dessa ala é que ela não reconhecia o batismo de crianças, mas só  o  de  adultos,  isto  é,  dos que creem conscientemente. A admissão nessas seitas se dava  por  meio do batismo, e como muitos candidatos já tinham sido batizados anteriormente, seus adversários os apelidaram de "rebatizadores" (anabatistas). O movimento começou na Suíça, na Alemanha e na Holanda, mas a perseguição movida pelas autoridades católicas e luteranas erradicou grande parte dele. Um pequeno grupo sobreviveu na Holanda, e foi aí que os reformados ingleses exilados entraram em contato com as novas ideias e, liderados pó John Smith, fundaram em 1609 a primeira das "Uniões" batistas mais modernas.
No século XVII, surgiram numerosos movimentos que se cristalizaram em novas comunidades eclesiais com muitas características comuns. Os batistas, os adventistas e os pentecostais rejeitam o batismo de crianças em favor do batismo de adultos, que inclui a imersão total na  água. Os metodistas mantiveram o batismo  de crianças, mas não as  consideram  membros  plenos  da Igreja.  Isso só ocorre quando, na idade adulta, a pessoa reconhece sua aliança batismal e declara sua concordância com as doutrinas da Igreja.

REAVIVAMENTO E CONVERSÃO
Dois conceitos-chave nas comunidades mais modernas são "reavivamento" (do inglês revival) e "conversão individual". Os cultos e as reuniões se caracterizam por uma maior liberdade, isto é, não contam com uma liturgia fixa como nas igrejas católica e luterana. Têm, porém, elementos regulares constantes, como a música cantada, a leitura das escrituras, as orações espontâneas, o sermão e os testemunhos individuais de fé. O interior da igreja e as vestes dos sacerdotes são simplificados, quase sem traços distintivos, era particular nas igrejas pentecostais, onde muitas vezes  a  decoração  não vai além de  um  crucifixo e  uma  passagem da escritura afixada  na parede, e onde o líder da congregação, o pastor, não usa nenhum traje especial.
Também sua organização é, de modo geral, menos permanente. Em diversos casos cada congregação é de todo independente  e  escolhe seus próprios líderes.

PIEDADE E MODERAÇÃO
Outro aspecto comum à maioria desses movimentos é o legado puritano do calvinismo. Dá-se muita importância a uma vida de honestidade, frugalidade e moderação, e se rejeita a idéia de luxos externos e divertimentos. Contudo, a prosperidade do pós-guerra ocasionou grandes mudanças nesses conceitos.
Algumas dessas igrejas, em especial  a  metodista  e  o  Exército da Salvação, combinam a vida metódica com o trabalho em prol dos menos privilegiados.
Os movimentos de reavivamento e a ênfase na conversão individual não são exclusivos dessas igrejas. Penetraram também na Igreja luterana, onde se manifestaram em movimentos leigos e organizações missionárias.
Fonte: GAARDER, Josteins; HELLERN , Victor; NOTAKER, Henry. Livros das Religiões.